Os Guaranis são formados por várias tribos de cultura e linguagem em comum, que se reconhecem por seus nomes específicos. Apenas no século XVII os colonizadores usam o termo guarani, que significa guerreiro, para designar todo o grupo. Eles se identificam pelas denominações específicas de cada grupo ou pelo termo Avá, que significa simplesmente homem. Os Guaranis ocupam da Grande Floresta ao Rio da Prata. Da Capitania de São Vicente aos contrafortes andinos, passando pelo Chaco Boreal.
Os Guaranis são, em geral, de baixa estatura, roliços e muito fortes. Cabeça grande, olhos pequenos, nariz achatado, pouca barba, pele bronzeada, cabelos pretos e lisos. São grandes andarilhos, com visão e audição aprimoradas. Possuem excelente memória, sendo capazes de executar trabalhos mecânicos e de imitar com perfeição tudo o que lhes deem como modelo. Não mostram preço pelo trabalho regular e nem se preocupam com o futuro, tampouco com a necessidade de acumulação, economia, provisionamento. Estão acostumados a consumir tudo o que caçam, colhem e recebem. Uma despreocupação com o porvir que só é possível em uma terra tão dadivosa.
Os Guaranis apresentam um desenvolvimento técnico superior às demais tribos do sul, no que diz respeito a cultivos, domesticação de animais, artesanato, fiação e navegação. A organização da aldeia é muito semelhante a dos Tupis. Eles conservam poucos pertences pessoais. A maioria dos bens é de uso comunal, tudo organizado pelo cacique.
Uma aldeia abrange centenas de pessoas em grandes habitações retangulares cobertas com folhas de palmeira. As casas comunitárias abrigam de 10 a 20 famílias em média. Seu interior é decorado com redes de algodão ou fibra, móveis e utensílios, bancos, jarras para chicha, cabaças entalhadas, armas e ferramentas. De animais domésticos, só patos, papagaios e alguns macacos. Com os colonos brancos, adquirem também galinhas, cabras e cães.
Muitas vezes, principalmente em época de guerra, a aldeia é cercada de paliçadas e armadilhas. Os prisioneiros são tratados com brandura. Podem até se casar e viver vários anos. Mas, eventualmente, o prisioneiro será morto a golpes de maça e devorado.
Para um jovem se casar, ele precisará ter matado ou aprisionado um inimigo. Só se impede casamento de parentes consanguíneos por parte de pai. Apenas o cacique pode ser polígamo. A poligamia é um símbolo de riqueza e influência, pois são as mulheres que fazem os trabalhos essenciais. O divórcio é simples, e pode ser por iniciativa de ambos os lados.
Os homens desmatam os campos para construir habitações, fabricam pirogas e armas, caçam, pescam e guerreiam. As mulheres trabalham na horta, fazem cesto e cerâmica, fiam e tecem, preparam a comida e a chicha.
A alimentação é baseada na caça, coleta e cultivo de milho, mandioca, batata, amendoim e feijão. As aldeias migram quando o solo fica esgotado com as queimadas e os campos são invadidos por erva daninha. Os Guaranis exaurem um lote de terra a cada sete anos.
Homens e mulheres cobrem o corpo de tatuagens, plumas de aves, amuletos e colares. Os homens usam o bodoque, uma peça de madeira, pedra ou osso espetada embaixo dos lábios, mais simples do que aquelas utilizadas pelos Tupis. As mulheres usam apetrechos semelhantes nas orelhas. As tatuagens nos homens simbolizam os grandes feitos. Nas mulheres, os ritos de passagem.
Um conselho geral de chefes decide as questões de interesse da aldeia e da tribo, escolhendo os chefes da guerra. O cacique é sucedido pelo filho ou familiar mais forte, com distinção na guerra. Em tempos de paz, o cacique só tem poder se tiver prestígio. Sem o dom da palavra, um chefe é incapaz de viver em harmonia, de proteger seu povo. Na prática, a autoridade entre os Guaranis é uma qualidade, não um direito. Pode ocorrer de o cacique ser também um pajé. Os anciãos são guardiães das tradições da tribo.
Durante a colonização, os Guaranis são obrigados a escolher entre o trabalho nas encomiendas, a escravidão dos bandeirantes, a catequese nas missões ou a rebelião, pra não falar nas pestes, que os atingem qualquer que seja a sua opção.
Nas epidemias, os brancos são vistos como protegidos dos deuses. Os pajés podem ser mortos caso se mostrem incapazes de conter a doença. A doença e a morte não são consideradas naturais. Elas sempre ocorrerão provocadas por um fator externo: um espírito, um feitiço, uma criatura, um inimigo etc.
AS PRINCIPAIS TRIBOS
A nação guarani é composta por vários grupos. Os Carió são mais presentes na região dos bandeirantes, inimigos tradicionais dos Tupiniquim. Habitam a costa e são, para muitos viajantes, o primeiro contato com os nativos da Terra de Santa Cruz. Os Guayaki são os únicos que mantém hábitos totalmente nômades, além de possuírem uma origem misteriosa. Os Tavyterã habitam o interior entre as terras dos Tupiniquim e as vilas castelhanas. Os Tape e os Mbyá povoam a região das missões jesuíticas castelhanas. Os Avá destacam-se por ser uma tribo culturalmente diferenciada, por serem os guaranis que travaram contato com o Império do Sol. Os Chandules são o grupo menor, em contato direto com os Charruas.
Avá
Avá significa homem, e designa os Guaranis que ocuparam a região do Chaco Boreal e entraram em contato com o Império do Sol, atraídos pelos objetos de cobre e de bronze. As riquezas das montanhas levaram os Avá a se aventurarem bem além dos contrafortes andinos, obrigando os imperadores incas a construírem fortificação nas fronteiras. Essa migração rumo aos Andes ocorreu na busca da Terra Sem Males, que supostamente está situada a oeste.
Em seus avanços, os Avá escravizaram os Aruaques das tribos Chané e Mojo, que pertenciam ao Império. Os Incas os chamavam pejorativamente de Chiriguanos (chiri = frio; guano = excremento das aves marinhas, usado em fertilizantes). Ao escravizarem os Aruaques, os Avá deram início ao processo de miscigenação e surgimento de uma etnia distinta do resto dos Guaranis.
Guerreiros ferozes, diz a lenda que cinquenta índios Avá eram capazes de vencer mil Aruaques. Como são antropofágicos, muitos Aruaques foram devorados durante os ataques. Seus principais rivais na região são os Chiquitanos, única etnia do Chaco Boreal que não foi dominada por eles.
Quando os Castelhanos chegaram, os Avá estavam em guerra contra os Incas e os Aymarás. Apesar de se manterem irredutíveis contra os colonizadores, os missioneiros jesuítas obtêm algum sucesso onde a força militar fracassou.
Cariós
Índios do litoral, de São Vicente ao Rio Grande, os Cariós são bastante amistosos e oferecem ajuda a todos os barcos que chegam a suas terras, até serem traídos pelos visitantes. Dóceis, trabalhadores e bem intencionados, aderem com facilidade às missões e à catequese.
Os Cariós cobrem suas casas com cascas de árvore e produzem casacos e redes de algodão, forrando-os com peles e penas. Mantêm muitas aves nas aldeias, o que consiste na marca característica da tribo. Como vivem em uma região mais fria, desenvolveram técnicas de manufatura de roupas de algodão e de pele de animais.
Um milênio antes da chegada dos Lusitanos, os Cariós ocupavam as terras onde hoje se encontra a Cidade de São Sebastião, mas foram expulsos pelos Tupinambá. Estabelecendo-se mais a oeste, acabaram sendo empurrados mais ao sul pelos Tupiniquim. Assim, atualmente seus principais inimigos são os Charrua, os vizinhos do sul, e os Tupiniquim, seus vizinhos do norte. Dos Guayanás estão afastados pela muralha de Paranapiacaba. Sendo os Tupiniquim aliados dos Lusitanos estabelecidos em São Vicente e Piratininga, os Carió se transformaram em alvo preferencial das bandeiras de apresamento, que, em pouco mais de um século, levou-os à quase extinção. Em Piratininga, Carió já foi sinônimo de escravo.
Se hoje estas bandeiras não existem mais, os Carió agora se veem às voltas com outro tipo de problema: o início da ocupação de seu litoral pelos Lusitanos. Sendo uma área esquecida pelo governo-geral, sendo esta ocupação fruto de iniciativas particulares e até mesmo clandestinas por tratar-se de terras castelhanas, o Tratado de Santa Luzia não é muito observado pelos colonos.
Às vezes, quando o preço dos escravos negros sobe em demasia, surgem nas áreas mais afastadas das rotas comerciais pessoas dispostos a pagar um bom preço por nativos, que, para tentar driblar a fiscalização do governo e dos padres, são chamados de “peças de administração”.
Guayaki
Os Guayaki vivem isolados nas florestas, entre terras castelhanas e lusitanas ao norte da Província do Guayrá, formando grupos de cerca de uma dúzia de indivíduos. Não chegam a erguer uma morada, acampando por poucas noites em cada lugar. Sem praticar a agricultura, o produto da coleta é dividido igualmente pelo grupo.
As mulheres cuidam do abastecimento de água, da fabricação de farinha, fibras e cera, e do transporte dos utensílios. Os homens caçam, pescam, fabricam armas e preparam o terreno para o acampamento.
Os Guayaki apresentam algumas diferenças físicas dos demais Guarani, o que chama atenção dos poucos colonos que conseguiram por os olhos em um deles: a pele é mais branca do que o normal, os homens chegam a apresentar barba, e os olhos chegam a ser castanho claro ou mesmo acinzentados.
Os Castelhanos especulam que outros grupos de viajantes tenham chegado à Terra de Santa Cruz antes deles, talvez Vikings ou Fenícios. Mas ocorre que a origem deles é uma incógnita até mesmo para os demais Guaranis, que os chamam de Guayaki por significar ratos ferozes. Mas alguns anciãos se referem a eles como Guajagui, que os identifica como uma tribo inimiga.
Um sábio Caraí que vive nas proximidades do Forte Albuquerque suspeita que o termo Guajagui guarde alguma ligação com os Guajáras. Na verdade, esse Caraí tem teses muito estranhas sobre a ligação dos Guajáras com os Guaranis e a Terra Sem Mal. Mas ninguém há de perguntar nada a ele, pois poucos sabem sobre os Guajáras. E nenhum deles é branco. Bem, talvez apenas um: Sumé.
Mbyá
Os Mbyás compõem a maioria dos Guaranis estabelecidos nas Missões Jesuíticas e se espalham por boa parte da bacia do rio da Prata. São o grupo mais pacífico dos Guaranis e o mais característico.
Tapes
Os Tapes habitam a parte serrana ocupada pelas missões jesuíticas castelhanas, na Serra dos Tapes, e a planície ao sul, até chegar às terras dos Charruas. Antes de se tornarem missioneiros, faziam trombetas com as tíbias dos inimigos e usavam as caveiras como taças. Porém, mostraram-se a tribo mais afeita à catequese. Em sua região se encontram sete missões.
Tavyterã
Os Tavyterã habitam o nordeste da Província do Guayrá, com forte presença ao norte do rio Paraná. Mantêm uma relação mais neutra e independente dos colonizadores, sem aceitar mais a interferência dos missioneiros após a destruição das missões do Guayrá, das quais fizeram parte. Preferem se embrenhar no interior da selva, evitando ao máximo as bandeiras. Vivem em grupos menores que os demais Guarani, de 4 a 5 famílias sob o mesmo teto. Após o fracasso das missões, passaram a se dedicar intensamente a seu mundo espiritual. Consideram-se guardiões da cultura guarani e dos caminhos que levam à Terra Sem Mal.
À época da construção do Forte Albuquerque, uma aldeia logrou fazer uma aliança com os Lusitanos: estes manteriam os bandeirantes na linha enquanto eles cuidavam de auxiliá-los contra a hostilidade de outras tribos, e até mesmo contra os Castelhanos.
MAGIA E RELIGIÃO
Apesar de ter sua mitologia e seus deuses, os Guaranis não são idólatras. Eles não adoram espíritos, nem lhe dirigem preces. A única crença que os move e que influi diretamente em suas vidas é a da Terra Sem Mal.
Algumas tribos praticam a antropofagia ritual, comendo a carne dos inimigos valorosos. Este ritual também faz parte das várias formas de atingir a perfeição para alcançar a Terra Sem Mal ainda em vida. É, também, o primeiro costume a ser condenado pelos jesuítas.
Os Guaranis enterram seus mortos em tinas funerárias. Nas missões, nós proibimos essa prática, mas os Franciscanos, por sua vez, permitem.
O Mundo Espiritual
Segundo as crenças antigas dos Guaranis, os homens, animais e plantas que habitam a terra são apenas reflexos daqueles criados na morada eterna, Yvága.
Nhamandú, o grande deus, criou a si mesmo em meio ao caos de Tatachina, a neblina primigénia, e dos ventos originais. Após terminar seu corpo, ele cria os outros deuses: Karaí, senhor do fogo e do sol; Yakairá, senhor das brumas e do fumo que inspira os xamãs; Nhanderú py’aguaçu, senhor das palavras; e Tupã, senhor das águas, das chuvas e do trovão, quem criou a humanidade, ajudado por Pará, sua esposa.
A primeira terra era perfeita e os homens a habitavam junto aos deuses. Para punir um incesto, os deuses a destruíram com um dilúvio. Nhamandú criou, então, uma segunda terra, Yvy Pyahu, imperfeita, cujos habitantes estariam destinados a sempre buscar pela primeira terra, a terra sem mal, Yvy Marã-e’y.
Añás são almas que tiveram má sorte, ou por suicídio ou agonia prolongada, transformando-se em seres de natureza demoníaca. Estes seres podem ser mantidos afastados com o fogo. Añá-Tunpa é o rei dos Añás, inimigo de Tupã e senhor do submundo.
Boyguasu-Tunpa é um tipo de Añá. Possui forma de serpente e castiga aqueles que não obedecem as leis do submundo, atravessando-os com uma flecha invisível que provoca enfermidade e morte, que só pode ser evitada por magia.
Ivy Marã-e’y
É a Terra Sem Mal, onde não há doença, fome ou guerras. Nela, o guarani se despe de sua mortalidade e se transforma em um homem-deus, capaz de viver sem trabalhar, comer sem ter de caçar, livre da dor e do sofrimento. Eternamente jovem e feliz em uma terra esplêndida. Ao contrário do Paraíso bíblico, do Éden, é possível alcançar a Terra Sem Mal sem precisar morrer. Isso só é possível àquele que atingir a perfeição em vida. Outra diferença é que ela fica em um lugar específico.
Mbaeverá-Guaçu: mítica e sagrada cidade dos guaranis, oculta e perdida em algum ponto da selva. Os índios esperam chegar nela em vida ou depois da morte digna (mais detalhes em Cidades e Templos).
PERSONAGENS GUARANIS
Os personagens sem magia seguem o padrão dos personagens indígenas.
Pajé
Os pajés guaranis são bastante versados na magia e muito hábeis na arte da cura. Nesta seara, os guaranis são muito inventivos. São eles que realizam a mediação entre os homens e o mundo espiritual.
Nas epidemias, os brancos são vistos como protegidos dos deuses. Os pajés podem ser mortos caso se mostrem incapazes de conter a doença. A doença e a morte não são consideradas naturais. Elas sempre ocorrerão provocadas por um fator externo: um espírito, um feitiço, uma criatura, um inimigo etc.
Os feiticeiros propriamente ditos têm o mesmo poder do pajé, mas utilizam esse poder de forma egoísta e furtiva, fazendo mal à tribo.
Não há diferença entre os poderes dos pajés e dos feiticeiros, nem entre os pajés das diferentes tribos, exceto, dependendo das circunstâncias, os pajés dos Avá, que podem ter aprendido algum feitiço com as tribos do Chaco ou do Império do Sol.
Lista de Habilidade: Nadar; Caça e Pesca; Rastrear; Arco e Flecha; Luta com tacape. Habilidades obrigatórias: Conhecimento da mata; Cultura indígena; Ervas e plantas; Mitos e lendas; Ocultismo.
Lista de Feitiços: Adivinhação; Andar sobre as águas; Barreira astral; Camuflagem; Chamado; Comunhão com a floresta; Comunicar-se com animais; Controlar animais; Controlar água; Controlar plantas; Criar ilusão; Criar nevoeiro; Cura; Dardos de pedra; Elo mental com animais; Exorcismo; Invocar tempestade; Levitar; Metamorfose; Olhos d’Água; Relâmpago; Remover magia; Respirar sob as águas; Viagem astral; Visão astral.
Caraí
É o pajé-profeta. Além dos pajés de cada aldeia, cada agrupamento guarani tem um Caraí, o pajé dos pajés, o grande feiticeiro, o profeta da tribo, que vive em relativo isolamento, distante do cotidiano e da política das aldeias, mas sempre acessível para lhes servir de guia espiritual. O Caraí não é um representante dos deuses, mas aquele que, por ter contato com os espíritos, poderá guia-los ainda em vida à Terra Sem Mal.
O Caraí não está formalmente vinculado ao seu grupo de origem, podendo percorrer diversas aldeias, inclusive de grupos rivais. Em 1549, o caraí Oberá lidera uma multidão crescente rumo à Terra Sem Mal, prometendo liberdade e desbatizando os índios catequizados. Multidões o seguem cantando e dançando durante dias. Multidões o seguiram cantando e dançando durante dias. Entretanto, nenhum guarani sabe dizer qual foi seu destino. Alguns acreditam que Oberá chegou à Terra Sem Mal. Outros, que, envergonhados com o fracasso, decidiram não retornar. E há aqueles que consideram a possibilidade do grupo ter sido mortalmente atacado por bandeirantes ou soldados castelhanos.
O Caraí, diferentemente dos demais pajés, tem mais controle sobre o feitiço de Adivinhação. Ele também conhece o ritual que, através de um conselho de pajés, combina o poder de todos para enviar outras pessoas, mesmo aquelas sem poder mágico, para o Plano Astral, podendo sustentá-las por alguns poucos dias.