DAS CRIATURAS INFERNAIS*

Algumas criaturas infernais parecem ter seguidos os europeus até o Novo Mundo. Outras parecem próprias destas terras. Seres malignos são suscetíveis ao exorcismo e aos encantos divinos, e não podem adentrar solo sagrado.

Cão da Meia‑noite

Trata-se de um enorme cão negro extremamente feroz e da altura de um homem. Suas garras compridas podem dilacerar um homem num instante. De seus olhos desprendem fogo e de sua boca sai chamas curtas. Ele se alimenta de carne humana.

Ele ataca exclusivamente à noite, mas há um único relato de atividade durante dia. Porém, havia uma neblina extremamente espessa que tornava o sol uma abstração.

Sua aparição é atribuída a uma conjuração da criatura com o objetivo de proteger uma fazenda. Para manter o seu serviço, contudo, é necessário oferecer-lhe um homem a cada ano. Caso contrário, deixará de obedecer ao dono. Só pode ser morto se decapitado.

Considerações adicionais: fora a hipótese do fazendeiro ser um bruxo, o dono deste cão infernal provavelmente fez um pacto com o Diabo ou contratou um bruxo para conjurá-lo.

Demônios

Alguns demônios possuem aparência semi-humana, com olhos de serpentes e pequenos chifres na testa. De cor parda, cinzenta ou avermelhada, variam entre 1,50m e 2m de altura. Suas peles são quentes e ásperas, podendo causar queimaduras em contato prolongado. Possuem garras curtas como a dos animais. Estes são os demônios mais comuns, mas há outros com características específicas. Só podem ser mortos por decapitação. É mais fácil exorcizá-los.

Considerações adicionais: demônios são muitas vezes vistos como sendo todos iguais, mas não é bem assim. Eles são um reflexo da humanidade, com uma grande variação de tipos.

Diabo

O Diabo tem muitas formas. Homem alto, forte, com pequenos chifres escondidos sob um chapéu negro, vestido com roupas negras. Demônio de pele vermelha e olhos de fogo, com chifres na testa. Um homem bonito e sedutor. Um touro. Um cão. Um anjo.

O Diabo tem vários nomes, não só devido às diferentes culturas, mas também porque o povo evita mencionar o seu nome, com medo de que isso seja uma forma de invocá-lo.

Cada cultura possui uma visão própria da personificação do mal. Para cada uma delas ele aparecerá como é imaginado por aquelas pessoas. Para os Incas, seu nome é Súpay, o Senhor do Caos.

Seja qual for sua aparência ou alcunha, chega para causar complicações, desespero, desilusão, mesmo a morte. Mas nunca atacará de forma direta. Usará seus poderes para iludir, manipular, seduzir, corromper. Só age diretamente em relação àquele que se dispôs a fazer algum tipo de acordo. Se, ao fim, o Diabo levar a alma da pessoa, estará apenas tomando o que é seu por direito.

Considerações adicionais: o Diabo possui um poder infalível, mas sua ação em nosso mundo se evidencia limitada. Por algum motivo, que só pode ser de origem divina, ele não pode agir diretamente sobre as pessoas. Ele precisa, portanto, seduzir a pessoal para o seu lado a fim que possa agir através dela. Além dessa limitação, símbolos e solos sagrados impõem-lhe restrições. O Diabo não resiste a um desafio. Caso perca, o que é difícil, cumprirá fielmente o que quer que tenha prometido. Normalmente, o que o desafiante mais deseja é que o Príncipe da Trevas o deixe em paz. Como qualquer demônio, ele também pode ser exorcizado, o que demanda um enorme esforço mágico.

Famaliá

Infelizmente, uma triste prática do velho continente atravessou o Mar Oceano junto com os colonos: o Famaliá. Os processos conduzidos pela Santa Inquisição descobriram esses pequenos demônios enegrecidos presos dentro de uma garrafa.

Seus proprietários podem ser bruxos ou alguém que com eles aprendeu o ritual que aprisiona o diabinho. Uma vez aprisionado, o demônio deve servir ao seu algoz como um escravo. E, enquanto estiver dentro da garrafa, assim o fará.

O ritual é trabalhoso, mas de simples compreensão para quem não é iniciado em magia negra. Uma vez realizado, tudo o que a pessoa precisa fazer é manter a garrafa em lugar seguro e alimentar o cativo com pó de ferro.

Sobres as vantagens adquiridas por meio dessa prática macabra, é perceptível a bonança que usufrui o proprietário de um Familiá. Seus negócios vão de vento em popa; a colheita é sempre generosa. Contudo, no final e ao cabo, o preço a ser pago será a própria alma.

Considerações adicionais: crime da mais alta gravidade e dos mais atacados pelo Santo Tribunal, não há notícia desses pequenos demônios nas vilas. Também é difícil comprovar a sua ocorrência, pois muito do que se diz a respeito é mais fruto da inveja do que de sortilégio. Mais muito se fala da existência de Familiás no interior, particularmente na região mineira, distante das leis dos homens e das leis de Deus.

Touro Negro

Aqueles que dominam as forças ocultas são capazes de conjurar um enorme touro de cor negra, com olhos e cascos incandescentes e que lança baforadas de fogo de curto alcance.  A criatura é gigantesca, com cabeça redonda, algo entre humana e taurina, ostentando chifres de ouro. Eles solta fumaça pelas ventas e seus bramidos lembram uma trompa.

O Touro Negro corre à noite pelos campos espalhando o medo e a destruição. Não é que ele só apareça nos campos, mas um desfiladeiro ou um pântano são ambientes pouco propícios para sua ação.

Geralmente ele é conjurado para proteger uma fazenda, perseguindo os ladrões de gado implacavelmente, garantindo ao proprietário muita prosperidade. Para que se mantenha nessa função sem causar transtornos para o próprio senhor de terra, será necessário realizar um pacto com o Diabo. Quando o fazendeiro morrer, o Diabo carrega a sua alma e também todo o gado, deixando os pastos vazios.

Nas terras castelhanas, essa criatura maligna é conhecida pelo nome de Touro Súpay.

Considerações adicionais: apesar do caráter protetivo desse touro diabólico, não é incomum sua aparição como besta desgovernada, incendiando e destruindo vilas e plantações. Talvez tais ocorrências sejam provocadas por conjurações amadoras. Como toa criatura demoníaco, é passível de exorcismo. Difícil é manter a concentração ante sua carga mortal.

*Compilação extraída do bestiário de Padre Maurício

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 12:36  Deixe um comentário  

CRIATURAS E ANIMAIS FANTÁSTICOS*

DOS ANIMAIS FANTÁSTICOS

Cavalo de Três Pés

Habitat: tem sido avistado nas estradas das capitanias de São Vicente e Itanhaém.

O Cavalo de Três Pés é um animal assombroso que apavora os viajantes nas estradas desertas. Como o nome já diz, possui apenas três pés, sendo a pata ausente a dianteira. O animal deixa no barro três pegadas fundas, e quem por infelicidade pisar nelas enfrentará desventuras em série.

Mas esta é a mais banal de suas peculiaridades. Esta criatura fantástica não tem cabeça e possui asas. Aparece sempre à noite, voando ou correndo, dando coices em quem encontrar pela frente.

Considerações adicionais: a criatura é hostil, mas não maligna. Atacará sempre quem encontrar, mas não tem nenhum alvo ou objetivo determinado. A fama para quem achar e capturar uma criatura tão única pode valer o desafio.

Gafanhotão

Habitat: ocorrência relatada nos Campos de Piratininga.

O Gafanhotão tem o tamanho de um boi e costuma aparecer na madrugada de sábado pra domingo nas curvas das estradas. Pega o viajante de surpresa e o derruba no chão, colocando todo o seu peso em cima para paralisá-lo enquanto chupa o seu sangue, preferencialmente pela nunca. Mas a criatura não ataca para matar, apenas para se alimentar. Ao se sentir satisfeita, deixará a vítima no estado em que estiver e partirá.

Considerações adicionais: o Gafanhotão geralmente ataca sozinho e à noite. Portanto, dificilmente atacará quem não viaje sozinho. Por essa razão mesmo, um grupo contratado para for fim no terror que o animal tem provocado na vizinhança terá dificuldades em encontrá-lo. Como pouco se sabe sobre a natureza e os hábitos dessa bizarra criatura, nada impede que ela surja de surpresa em meio a uma praga de gafanhotos.

Mão Pelada

Habitat: avistado com preocupante frequência nos cerrados e campos da região mineira.

O Mão Pelada possui uma faixa de pelos negros em volta dos olhos, o resto do corpo coberto por tons avermelhados, e uma das mãos é ligeiramente encolhida e inteiramente desprovida de pelos, o que dá à criatura o nome com o qual é conhecida. É do porte de um bezerro novo, o que não parece representar perigo a quem com ele cruza pela primeira vez. Entretanto, nenhum animal, por mais valente que seja, atreve-se a entrar na área onde seu grunhido se faça ouvir.

Já o viajante descuidado, ao atravessar o seu caminho, cometerá um grande erro se cruzar seus olhos com os desse pequenino animal. Olhos fascinantes e misteriosos, que em breve faíscam uma luz azulada. Atraído pelo fascínio desse olhar, o viajante se queda paralisado. A vítima precisa reunir forças para escapar dessa fascinação, pois, no momento em que estiver para atacar, o Mão Pelada cresce para o tamanho de um urso e rasga sua presa com suas enormes patas e unhas afiadas.

Seria loucura querer enfrentar um animal tão perigoso, mas muitos o fazem. Acontece do Mão Pelada ter grande valor comercial para os caçadores. Sua banha é um eficiente remédio para muitos males, particularmente aqueles que provocam dores nos músculos e articulações. E, de quebra, o caçador poderá lucrar com cima vistosa pele e carne saborosa.

Mas caçar o Mão Pelada é tarefa tão difícil quanto resistir ao seu olhar. Primeiro, porque os cachorros não o perseguem, tamanho medo que sentem da criatura. E mesmo os melhores e mais ferozes cães de caças sucumbem facilmente ante seu olhar. A criatura atrai o caçador ardilosamente até o seu esconderijo, onde o ataca na forma de urso.

Considerações adicionais: o Mão Pelada é um predador nato. Ataca qualquer um que encontrar. Bastante esperto, evitará grupos, contra os quais o poder imobilizador de seu olhar terá pouca efetividade. Em situação desvantagem, procura dispersar o grupo fazendo sons e gemidos na floresta.

Mboi-Tatá

Habitat: a criatura é vista nos campos, geralmente próxima a alguma fonte d’àgua, seja rio, pântano ou mar.

O primeiro a registrar sua ocorrência foi o Padre Anchieta, que avistou um facho cintilante que deixava um rastro luminoso, um fogo vivo. Chamou-o na época de Mbai-Tatá, a coisa de fogo, pois não soube precisar sua origem e natureza.

Hoje já sabemos tratar-se do Mboi-Tatá, a temível cobra de fogo que protege as relvas naturais e é impiedosa com os incendiários. Aprendemos com os nativos as técnicas das queimadas para limpar o terreno para o plantio. Não fomos alertados, contudo, do terrível perigo dessa prática: provocar a ira de Mboi-Tatá.

Muitos caçadores acreditam que a criatura habita cavernas incrustradas nas pedras e ravinas, mas a versão de que ela habita as águas, a despeito de sua natureza ígnea, parece ser mais acertada.

De hábitos noturnos, não há muita precisão nas descrições de suas formas, exceto no que diz respeito à forma de serpente e o ataque feito com cusparadas incineradoras. Entretanto, uma discrepância salta ao olhos. Uns o descrevem como uma pequena serpente de fogo capaz de se erguer do chão em pequenos voos. Outros o descrevem como uma gigantesca serpente, cinco a sete vezes maior que uma Jiboia. Seria o Mboi-Tatá um ser que nasce e cresce como qualquer outro animal?

Considerações adicionais: o Mboi-Tatá é uma criatura essencialmente punitiva. Ela não vai surgir do nada para atacar vilas e viajantes. Seu propósito será sempre a defesa dos campos. Atacará até julgar que não há mais ameaça imediata a ser contida.

Mboiguaçu

Habitat: a criatura só foi avistada ao sul da capitania de Rosário de Paranaguá, próximo ao litoral. Supõe-se ser uma criatura local, mas a região mais para o sul e para o interior ainda é pouco explorada.

A lenda ouvida entre os Cariós fala de uma serpente que abria muito os olhos para melhor enxergar e que, para isso, havia devorado milhares de olhos. De tantos olhos que ingeriu, tornou-se brilhante pela multidão de pupilas que guardava. Seu olhos viraram duas bolas de chama, um clarão vivo.

De fato, o Mboiguaçu que conhecemos é serpente de olhos que assemelham a dois faróis. Seu couro é transparente e que cintila sob a luz do luar, quando aparece deslizando nas campinas, nas beiras dos rios. Mirar a criatura pode deixar a pessoa cega, louca ou até matar.

Aqueles que sobreviveram ao encontro acreditam que escaparam por terem ficado imóveis, sem respirar, e com os olhos bem fechados. Pode ser. Por outro lado, talvez a criatura seja sensível ao cheiro do medo.

Considerações adicionais: o Mboiguaçu muito lembra o Mboi-Tatá, mas suas ações não indicam nenhuma missão punitiva ou mesmo de hostilidade, e tampouco parece ser capaz de cuspir labaredas ou bolas de chamas. É uma criatura bastante arredia ao contato. A única coisa que parece atraí-la é a luz do luar. Sua pele única atiça a cobiça dos caçadores.

Terepomonga

Habitat: pode ser encontrada no litoral da Província de Santa Cruz.

Terepomonga é uma cobra marinha, à primeira vista igual a todas as outras. Porém, qualquer coisa viva que tocar em seu corpo permanece fortemente apegada, e não há nada que possa tirar. E é assim que a Terepomonga se alimenta. O que também não chega a ser extraordinário.

Ocorre que às vezes ela serpenteia para fora do mar e fica muito pequena. Aparenta ser tão vulnerável que a atacam e pegam, mas ficam com a mão presa. E, se tentam tirar com a outra mão, esta fica presa também. E aí o mais fantástico acontece: a Terepomonga volta a crescer e leva a pessoa para o mar e a come.

Considerações adicionais: nunca encoste numa Terepomonga. A única forma de se livrar dela é cortando aparte do animal que está grudada na pessoa ou o inverso.

DAS CRIATURAS FANTÁSTICAS

Aca Peré

Habitat: pode ser encontrado em qualquer trilha ou caminho nas terras de fronteira indefinida entre as províncias do Guayrá e do Rio da Prata e as terras lusitanas.

O Aca Peré aborda o viajante na forma de um velho nativo, possivelmente de origem guarani. Ele ostenta na cabeça uma faixa que lhe cobre uma ferida profunda e incurável. Difícil dizer a dor e aflição que aparenta sofrer é real ou fingida. Qualquer que seja a verdade, quando o viajante estiver distraído, Aca Peré removerá a faixa e, de sua ferida, surgirá uma nuvem de gusanos e moscardos.

Diferentemente dos vermes e moscas encontrados na natureza, esses se revelarão venenosos. Suas mordidas infligirão dores e agonias na vitima, enquanto Aca Peré aproveita-se para levar todos os pertences do viajante. Segundo relatos, a força vital dessas pequenas criaturas está estranhamente vinculada a do velho nativo.

Comentários adicionais: Aca Peré é uma criatura oportunista e traiçoeira, não um monstro assassino. Sentindo-se em desvantagem, partirá. Se morrer, os insetos morrem.

Bradador

Habitat: o evento já foi registrado em diversas regiões, desde os Campos dos Cataguás até o Rio da Prata, sempre em campos e florestas.

O Bradado é mais uma ocorrência do que propriamente um bicho, pois ninguém ainda viu, só ouviu. E muito! O bicho é danado de barulhento. Emite berros reiterados, desesperados, descompassados e intermitentes, que oscilam entre o alarido e o lamento, capazes de provocar da irritação ao horror.

A descrição a seguir segue o relato perturbador de um caraí dos Tavyterã. Muito explica a razão de nunca alguém ter avistado um Bradador. E, mesmo se tivesses, não teria acreditado no que viu ou sequer compreendido o ocorrido.

O que chamamos de Bradador é um pequeno ser escuro no qual só se distingue uma boca, capaz de tragar o que encontrar pela frente. Raramente é visto, nunca em detalhe. O Berrador não devora ninguém, pois nem tem estrutura corporal para isso. Trata-se, na verdade, de um portal vivo para o plano astral, para o qual a pessoa é levada fisicamente. Para esse pequeno orifício, tudo o que se encontra no caminho é sugado. A única defesa possível é desviar-se.

Sobre como escapar desse plano astral, uma vez tragado pelo Berrador, o caraí preferiu calar-se.

Considerações adicionais: ser tragado pelo Bradador pode ser um grande percalço durante uma campanha ou a própria razão de aventurara-se mata adentro: resgatar alguém que foi sugado pelo Berrador. A única forma de trazer a pessoa de volta seria encontrar outro portal físico entre os planos.

Caipora

Habitat: campos e florestas da Província de Santa Cruz. Raramente é visto na Grande Floresta.

Muita confusão se dá quando se fala dessa criatura. Uma das razões é sua semelhança com o Curupira, mas com os pés normais. A outra é que Caipora pode ser macho ou fêmea, cada qual com suas peculiaridades. O nome Caipora, ou Caa-Porá, significa habitante do mato.

O Caipora percorre as matas protegendo os animais de pequeno porte, particularmente os porcos do mato. Nada do que acontece em seu território lhe escapa. Normalmente surge montado em um enorme queixada, brandindo um cajado e comandando uma manada de queixadas.

Seu cajado, feito de Japecanga, permite-lhe resistir a qualquer ataque mágico de influência e ressuscitar animal morto sem sua permissão, desde que ainda não tenha sido apanhado pelo caçador. Japecanga é um cipó flexível, cheio de nozinhos e espinhos, que vegeta às margens dos rios e em lugares frescos.

Além dos pés normais, uma característica comum a todos os Caiporas é o gosto pelo fumo. Seu cachimbo é feito com um crânio e tíbia humanos. Tem por hábito devorar suas vítimas, só descartando os intestinos, que ficam jogados no chão.

O Caipora macho costuma ser descrito como um caboclo baixo, hercúleo, ágil e nu. Mas também pode ser um homenzarrão coberto de pelos negros por todo o corpo e a cara, como já foi visto no sul. Ou ainda uma criatura monstruosa e peluda, de aparência humana, cabeleira áspera, cabeça grande, olhos em brasa e dentes enormes. Todas essas versões montam sempre um queixada de grandes dimensões.

A Caipora fêmea é descrita como uma nativa retaca e forte, peluda, de farta cabelereira com a qual açoita gente e animais. Tem por hábito negociar caça por fumo e cachaça. Estabelece relações amorosas com os homens que lhe agradam, mas é extremamente ciumenta. Se o homem decidir casar-se com outra, persegue-o e o açoita até a morte com o cajado. Para fugir de sua ira, só abandonando a região.

Considerações adicionais: além dos queixadas, o Caipora poderá solicitar a ajuda de outros animais da mata. O ataque do Caipora é mais direto e violento que o do Curupira. A negociação com o fumo deve ser realizada antes da caça. Depois que o caçador cometer algum ato interpretado com prejudicial, a ira do Caipora será incontornável.

Cuarajhy-Yara

Habitat: serras e florestas nas terras de fronteira indefinida entre as províncias do Guayrá e do Rio da Prata e as terras lusitanas.

Os Guaranis descrevem o Cuarajhy-Yara como um homem alto, branco, de cabelos vermelhos e de certa idade. Seus pés, envoltos em plumas, ocultam seus passos e a direção da marcha, sempre silenciosa, sem emitir ruídos. No meio da testa ostenta um olho de fogo; seus dentes são como presas bestiais; seus braços cumpridos e as mãos muito grandes. Sua força é descomunal, imbatível.

Há quem o descreva também como um homem peludo, que veste um sombrero de palha e carrega um bastão. Em vez de falar, emite o canto dos pássaros. Possui a propriedade da invisibilidade, mas, neste estado, torna-se também intangível.

Os nativos se referem a ele como o Senhor do Sol, talvez pelos olhos de fogo, de onde saem chamas como as do sol, e o hábito de aparecer no início da tarde. Seu principal objetivo é proteger as aves da floresta. Como punição ao caçador imprudente, segura a vítima com suas mãos poderosas e derrama sobre ele o seu olhar de fogo. Com suas presas, é capaz também de rasgar seu pescoço, mas só o fará em caso de incômoda resistência. É com seu olhar de fogo que pretende purificar o agressor da natureza.

Considerações adicionais: na mão, o Cuarajhy-Yara é imbatível. Caso necessite lutar, não o fará com intenção de matar, embora isso possa ser inevitável. Seu objetivo é essencialmente punitivo, de purificação ante seu olhar.

Curupira

Habitat: florestas da Terra de Santa Cruz.

Curupira é uma criatura que tem como função principal proteger as florestas. Todo aquele que derruba ou estraga inutilmente as árvores é punido por ele. Dependendo da região ou da ausência de outras criaturas protetivas, o Curupira pode também as dores de animais injustamente mortos ou caçados.

Portanto, o Curupira não escolhe inimigos; são estes que, com suas ações, escolhem a inimizade dele, sejam brancos, negros ou nativos. Os nativos têm como prática oferecer fumo e outras prendas para que o Curupira não lhes faça mal, sem a certeza de serem atendidos.

Por vezes, o Curupira pode tomar a iniciativa de abordar o caçador e pedir algo em troca de sua permissão. Pode também oferecer armas infalíveis em troca de alimentos sem pimenta ou alho, exigindo segredo absoluto sobre o acordo.

O castigo mais comum do Curupira é fazer a pessoa errar por muitos dias pela mata, sem achar o caminho de casa, ou sem conseguir chegar aos seus. Não se trata de criar ilusões que façam o caçador ou viajante se perder, mas de uma magia que provoca a desorientação. Assim, os caçadores desaparecerem, esquecem o caminho, sofrem pavores súbitos. Tal abandono pode equivaler à morte ou à fome agonizante.

Como arma, o Curupira possui uma lança e arco e flecha. Há lugares em que foi visto com um machado feito de casco de jabuti. Mas o que utiliza mesmo é uma variedade de encantos. Suspeita-se que possa controlar animais e as plantas, entrar em comunhão com a floresta, e se transformar em diversos animais. Também tem a habilidade de desaparecer na floresta. Além do já mencionado encanto da desorientação.

Descrever essa criatura pode ser uma tarefa tão difícil quanto escapar ileso de sua ira. O normal é descrevê-lo como um homem com o corpo coberto de cabelos vermelhos e os pés virados para trás.

Entretanto, conforme a região, as variações físicas são incontáveis: pode ser todo peludo ou ter a cabeça pelada; ser do tamanho de uma criança ou agigantado; ter as penas sem articulações, apenas um olho, dentes azuis ou orelhas grandes. A única referência imutável são os pés virados ao avesso.

O nome também muda. Nas selvas de Nova Castela, chama-se Chudiachaque. Em Nova Granada pode ser o Máguare. Na Grande Floresta já foi chamado de Pocai e Iuirocô.

Considerações adicionais: a relação do Curupira com o viajante varia de acordo com a atitude deste com a floresta e com os animais que nela habita. Assim sendo, é raro o Curupira tomar a iniciativa de oferecer ajuda, exceto quando pretende obter algo em troca. Apesar dos relatos de caçadores que conseguiram favores em troca de fumo e alimentos, é pouco provável que um ser tão poderoso realmente precise recorrer a esse escambo para obtê-los. Mais provável que o faça para testar a índole do caçador e sua capacidade de manter a palavra. Quando decide atacar, dificilmente o faz diretamente, mas usando seus poderes mágicos para manter o controle da situação e impor sua punição.

Gorjala

Habitat: florestas da Província de Santa Cruz, especialmente aquelas que cobrem as serras penhascosas.

Há pouco a se falar do monstro Gorjala, pois poucos sobreviveram ao seu ataque. E, aqueles que o fizeram, estavam mais preocupados em fugir do que observar o seu aspecto. Sabe-se que é um gigante preto e feio, de grande ferocidade. Dizem que possui apenas um olho faiscante. Suas passadas são imensas, o que facilita sua locomoção pelas ravinas, escarpas e grotões. Mas há quem o descreva com apenas um pé e que as passadas, na verdade, são saltos. Após dominada a vítima, com vida ou não, mete-a embaixo do braço e vai comendo-a às dentadas com sua boca enorme.

Considerações adicionais: o Gorjala é uma criatura bestial que surge com o único propósito de matar. Sua resistência se mostra tão sobrenatural que não furtará em atacar um grupo de viajantes. Porém, dar-se-á por satisfeito ao conseguir sua presa, deixando os demais para uma posterior investida.

Iara

Habitat: rios e lagos das terras lusitanas.

A Iara é uma criatura intrigante. Semelhante à sereia europeia, é mulher da cintura pra cima e peixe da cintura pra baixo. É descrita como uma bela mulher de longos cabelos negros e olhos esverdeados. Mas há quem tenha ficado decepcionado com sua beleza. Como as sereias, a Iara atrai os homens com seu canto para sugar‑lhes o sangue ou arrastá‑los para o fundo do rio. Porém, alguns que resistiram a seus encantos não mencionam o canto, apenas a atração por sua beleza.

Descrevem-na como um ser que exala maldade, mas uma maldade extremamente sedutora, que provoca na vítima o desejo de se entregar a uma vida de gozo eterno no fundo das águas. Há quem afirme que ela tenha surgido como um moço para as mulheres, ao mesmo tempo em que os homens a viam como mulher.

Quem escapa da morte nos braços da Iara não escapa de seus encantos. Uma vez afetado por eles, mesmo que não se entregue de imediato, o desejo vai corroendo a pessoa, incutindo nela o ímpeto de atirar nas águas do rio e se deixar afogar em suas águas.

Sobre a Iara, há um elemento intrigante: os nativos parecem desconhecê-la. As poucas ocorrências envolvendo nativos são narradas como uma aterradora novidade. Os nativos de Santa Cruz se sentem mais desconcertados diante da Iara do que os colonos.

Considerações adicionais: se a Iara para de cantar para sugar o sangue de alguém, o encanto deve ser quebrado naquele instante, o que a tornaria vulnerável. Então devemos supor que ela primeiro puxa a vítima para o fundo das águas primeiro, vivo ou morto. Porém, aqueles que se viram livres de sua atração naquele instante sofrerão os efeitos colaterais já descritos.

Pitá-Yovái

Habitat: pode ser encontrado nas florestas de La Piñería ou nas terras de fronteira indefinida entre a Província do Guayrá e as terras lusitanas.

O Pitá-Yovái se assemelha a uma criança nativa, mas possui uma força incrível e natureza sanguinária. Seus pés são virados para trás como os do Curupira, mas não possui os dedos. Move-se com grande agilidade, pendurando-se nos cipós. Há quem diga que existe uma versão adulta.

Ataque a vítima de surpresa, pulando de cima das árvores, agarrando-a com sua força descomunal e a devorando como um peixe recém tirado das águas.

A única fraqueza dessa criatura parece ser o seu gosto pelo mel.

Considerações adicionais: o mel pode ser usado para atrai-lo a uma armadilha, mas poucos conhecem essa característica dele. Na verdade, além dos Guaranis e Guayanás, poucos o conhecem.

Saci

Habitat: sua ocorrência é registrada principalmente nas matas próximas a povoados e caminhos. Quanto mais ao sul da Província de Santa Cruz, mas frequente tem sido os encontros.

O Saci tem a forma de uma criança negra, de uma perna só, vestindo apenas uma carapuça vermelha e portando um cachimbo. Sua negritude, no entanto, é distinta daqueles trazidos do Continente Negro. É um preto lustroso, brilhante como piche, sem pelo no corpo e na cabeça. Seus olhos são vivos como os de uma cobra e vermelhos como os de um rato branco. Seus lábios também são salientes, de um vermelho vivo, que emolduram dentes muito brancos. Possui dois braços curtos e carrega uma só perna. Com ela, é capaz de pular nas costas de um cavalo e corre veloz como um veado.

Algumas características físicas do Saci, no entanto, são pouco claras e nem sempre presentes. Uma delas é a mão furada, por onde é possível passar uma moeda. A sua altura não passaria de três palmos, mas há relatos em que ele teria chegado a três varas de altura, como se pude aumentar e diminuir de tamanho a seu bel prazer.

Ágil e astuto, o Saci anuncia‑se com um assobio persistente e misterioso, não localizável e assombrador. Esse som é semelhante ao da ave saci, que, por essa razão, parece ter emprestado seu nome à criatura.

O Saci adora pregar peças e fazer pequenas maldades e travessuras. Sua maior diversão é criar dificuldades domésticas, espantar o gado, assustar os viajantes e fazer desaparecer seus pertences.

O Saci adora fumo, e não seria difícil para ele aliviar o viajante dessa carga. Mas ele apreciará sinceramente qualquer iniciativa de oferecer-lhe fumo, concedendo em troca um pequeno favor.

A criatura pode assumir a forma de um pequeno rodamoinho de vento, desaparecer em uma nuvem de fumaça ou ficar invisível.  O Saci arma os redemoinhos com as folhas voando ao redor da única perna girando. Nesse momento, é fácil apanhá-lo. Bastaria lançar uma peneira sobre o núcleo central do redemoinho.

Uma vez capturado, a pessoa deve retirar-lhe imediatamente a carapuça, pois ela é encantada, o foco de seu poder. Para recuperá-la, o Saci é capaz de prometer qualquer coisa. Sua primeira tentativa será oferecer uma fortuna a seu captor. Mas o dinheiro dado pelo Saci precisa ser benzido, sob pena de desaparecer ou transformar-se em folhas secas no dia seguinte.

Considerações adicionais: todos os relatos colhidos sobre essa criatura fantástica devem-se aos colonos. Os nativos ignora por completo a existência do Saci. Os negros, não importa a origem e a condição, não o reconhecem e ignoram sua procedência. Os colonos, muito menos. O Saci, então, revela-se uma criatura misteriosa a todos os povos, de origem desconhecida, de natureza imprecisa e objetivos insondáveis.

DAS RAÇAS MONSTRUOSAS

Igupiaras

Habitat: Pode ser encontrado nas barras dos rios, por toda a Província de Santa Cruz.

Os Igupiaras são seres marinhos que residem no fundo das águas. Misteriosos, parecem homens de boa estatura, um tanto deformados, com olhos muito encovados, andar incomum, um pouco desconjuntado. Possuem pelos pelo corpo e cerca de quinze palmos de altura, e o focinho com sedas muito grandes como bigode. As fêmeas parecem mulheres de cabelos compridos e sugestivamente formosas.

Os nativos os consideram inimigos dos pescadores, e morrem de medo deles. Quando atacam, são bestiais, famintos, de ferocidade primitiva, virando as canoas dos pescadores. Abraçam a pessoa fortemente e parecem que a beijam, apertando-a consigo, deixando-a feita em pedaços por dentro. Por fora, entretanto, parecem inteiras. Sentindo a vítima sem vida, soltam um forte gemido e fogem. Quando levam algum corpo, comem apenas os olhos, narizes, pontas dos dedos dos pés e das mãos, bem como as genitálias. E assim o corpo é encontrado na praia.

O Ipupiara não pede, não ameaça, não negocia. Ele simplesmente ataca ao sair da água, sempre para matar. E essa parece ser a sua única fraqueza, a sua ligação com a água, longe da qual não parecem resistir por tempo prolongado. Sua força, contudo, é sobre-humana.

Considerações adicionais: um Igupiara isolado dificilmente representará alguma ameaça, a não ser que a pessoa esteja sozinha. O fato de poder ser muitos deve ser explorado. Fora da água, é um ser lento.

Negros d’Água

Habitat: Podem ser encontrados nos rios e lagos na região dos rios da Prata e Paranaíba. Há relatos de terem sido avistados também no rio São Francisco.

Os Negros d’Água são criaturas fantásticas que exercem domínio sobre as águas e sobre os peixes. São inteiramente negros e calvos, baixos, com membranas entre os dedos e apenas um olho no centro da testa. Andam sempre em grupo. Atacam virando as canoas e afogando seus tripulantes, para depois devorá-los.

Essa estranha raça aparece à tardinha ou em noites de luar junto às margens dos rios, entre as pedras. Eles põem a cabeça de fora e soltam uma risada que não acaba mais. Seus dentes são aguçados como ferrão e brancos como leite.

Não são excepcionalmente fortes e tampouco se afastam para além da margem, mas estão sempre em bando e levam uma boa vantagem quando lutam dentro d’água.

Considerações adicionais: a principal ameaça do Negro d’Água é o fato de agir em bando. Como seus ataques são mais efetivos dentro d’água, há pouca utilidade se o grupo se mantiver fora dela. Podem se tornar um grande obstáculo se o rio precisar ser transposto.

*Compilação extraída do bestiário de Padre Maurício.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 12:30  Deixe um comentário  

PERSONAGENS ESPECIAIS*

Estes personagens devem ser interpretados com cautela e com o objetivo de enriquecer a história. Eles são especiais e devem ser tratados como tais. Pode ser também que algum jogador queira fazer um personagem de uma das classes especiais (espera-se que não seja o Compactado). Isso pode ser arriscado. É aconselhável fazer isso só com um jogador experiente e que interprete muito bem seus personagens. E que o grupo também participe desta decisão.

DOS COMPACTADOS

Alguns bruxos fazem pacto com o Diabo com o intuito de aumentar seus poderes e, assim, sua malignidade. O Tribunal do Santo Ofício os classifica como Compactados.

O mais importante é ter em mente que ninguém se torna bruxo com o pacto. É preciso já sê-lo para convocar Satanás e negociar a alma com ele. Sempre a alma, pois não há nada mais valoroso que uma pessoa possa lhe entregar. Por isso, ao morrer, o cadáver desaparece entre nuvens de enxofre e ruídos infernais.

Apesar de conservar o aspecto humano, o bruxo se torna mais demônio do que gente. Além dos feitiços que já domina, o Compactado pode fazer crescer garras nas mãos, ganha força e resistência sobre-humana. Sua pele é capaz de queimar ao toque, caso assim o desejar. Possuem grande poder, que parecem recuperar rapidamente e crescer a cada dia. Os padres que os combaterem alegam ter grande resistência a alguns encantos, exceto ao poder da fé divina.

Considerações adicionais: a considerar verdadeiros os relatos vindos de Nova Castela, esses bruxos adquirem fortuna facilmente e se inserem na vida social dos fidalgos com muita habilidade e traquejo, não despertando suspeitas e agindo com bastante discrição. O que os torna ainda mais perigosos.

DAS PESSOAS ABENÇOADAS

Algumas pessoas nascem com a benção divina, poderes especiais que, ao mesmo tempo lhes concedem uma graça, também lhes impõem um pesado fardo.

Adivinho

O Adivinho já nasce com dom de prever o futuro, mas este permanece latente até que ele seja atingido por um raio. A partir deste evento fortuito e aparentemente traumático, pois o raio não lhe fará mal e nem lhe deixará marcas, ele começará ter visões de eventos futuros. Contudo, não terá o menor controle sobre o seu poder. Ele não terá visões quando bem entender e sequer sobre os assuntos que desejar.

Considerações adicionais: reza a lenda que o Adivinho, ainda no seio da mãe, sinaliza estar marcado pela sina adivinhatória ao chorar demasiado. É possível que seu poder se manifeste com tamanha força que a torrente de visões provoque uma excruciante agonia em uma mente incapaz de compreender o que ocorre. Para a própria sobrevivência, tais visões podem ser bloqueadas e só reativadas por um outro evento igualmente traumático. Seria o raio o único evento possível?

Estigmata

Estigmas são marcas que reproduzem as cinco chagas de Cristo, manifestadas fisicamente de formas variadas, como ulcerações, chagas e queimaduras, nos cinco pontos do corpo pelos quais Jesus teria sido pregado à cruz: pés, punhos e no peito.

Aqueles que porventura nascem no mesmo dia e hora em que ele foi crucificado recebem a graça do poder da cura e ostentam tais marcas, sendo conhecidas como Estigmatas. Quando exercem seu poder, que nunca falha, as feridas se abrem e começam a sangrar.

Considerações adicionais: os Estigmatas são pessoas geralmente pacíficas e sempre de boa índole, mas costumam ser tratados como santos e geralmente se encontram incapacitados de levar uma vida comum, sendo usados em nome da fé. Como seu poder desperta ainda na tenra infância, antes mesmo de poderem compreender o que ocorre com seu corpo e a sua volta, são crianças sofridas, que muita vezes confundem a graça com maldição.

Saludador

Aquele que nasce na Sexta-Feira Santa, na mesma hora da morte de Jesus, ostenta no corpo a marca de uma cruz. Seu hálito e sua saliva possuem poderes curativos. A saliva cura feridas, enquanto o hálito, soprado para dentro da boca ou narina da pessoa, pode curar doenças. São conhecido como Saludadores, os benzedores ou curandeiros.

Considerações adicionais: a lenda é pouco conhecida e nem sempre a cruz é aparente. Assim, a pessoa ou seus familiares podem descobrir seu poder tardiamente, ou talvez nunca descobri-lo.

Zaorís

Alguns homens nascidos na sexta-feira da Paixão, mas nem todos, possuem o poder de ver através das coisas. Os tesouros enterrados, monstros escondidos, um veio de ouro etc. Nada está oculto para eles. Seus olhos possuem um brilho especial, misterioso, inconfundível.

O primeiro desses homens abençoados a ser descoberto vivia no Levante, onde recebeu o nome de Zaorí. Inicialmente, acreditava-se que os Zaorís viam e conversavam com espíritos, e estes lhes contavam a localização daquilo que está escondido dos olhos dos vivos. Muito depois foi revelado o seu verdadeiro poder.

Mas a benção do Zaorí vem com um fardo: seu poder não pode ser exercido em seu próprio benefício. O Zaorí jamais encontra tesouro para uso próprio, ele sempre reverte em benefício alheio. Tal restrição não ocorre por algum tipo de punição divina, mas pela própria natureza de um Zaorí. Eles são irrecuperavelmente desapegados, distantes, indiferentes, desinteressados, praticamente desprovidos de ambições e emoções fortes.  Seu olhar é sempre vago. Costuma andar sujo e esfarrapado, arrastando em passos lentos seu corpo franzino.

Considerações adicionais: o surgimento de um Zaorí permanece um enigma. Sabemos que ele nasce no mesmo dia que o Saludador e o Estigmata, mas certamente não no mesmo horário, tampouco no mesmo dia do ano. Talvez não seja a benção que forme a personalidade, mas o oposto. Tampouco se sabe em que idade ou circunstância seu poder se manifesta, pois um Zaorí nunca fala de si ou de seus sentimentos.

DAS PESSOAS LONGEVAS

Pelos quatro cantos do mundo nos deparamos com histórias de pessoas que viveram muito além de um homem normal, ou que caminha pela Terra há eras. Pessoas que que, aparentemente, possuem o dom da vida eterna. No próprio Livro Sagrado temos vários exemplos, como Seth, Metusalah, Mahalaleel, Enoch.

Mas a origem da maioria dessas lendas é desconhecida, e muitas vezes sua presença. Sua própria existência é envolta em mistérios insondáveis. Tampouco é possível dizer se há alguma ligação entre eles ou se trata de fenômenos isolados. Seriam eles parte de uma raça de imortais? Ou pessoas que receberam a graça da longevidade ou da vida eterna? Alguns relatos parecem mesmo retratar um ser indestrutível, capaz de retornar da morte como quem acorda após uma longa noite de sono.

As andanças pela Terra de Santa Cruz revelam ao menos três personagens que parecem se enquadrar nesse seleto e intrigante grupo.

Bacharel

Na segunda expedição lusitana à Terra de Santa Cruz, em 1502, um pequeno grupo de degredados foi deixado na ilha onde hoje se encontram as vilas de São Vicente e Todos os Santos. Na verdade, esse mesmo grupo foi responsável pelo levantamento de um povoado chamado São Vicente. Entre eles estava um personagem polêmico chamado Cosme Fernandes, de cuja origem nada se sabe. Conta-se que Fernandes teria se juntado a castelhanos para atacar São Vicente e que seria o responsável pela origem da vila de Cananéia. Entrou para a história com a alcunha de Bacharel.

A história desse personagem já seria por si só interessante, não fosse o fato de que, no auge do comércio e contrabando dos lusitanos no rio da Prata, um tal de Bacharel não fosse responsável pelo serviço de reparos a embarcações estrangeiras no porto de Cananeia. E, poucas décadas mais tarde, Bacharel também era a pessoa encarregada da casa de fundição erguida em 1653 na vila de Iguape.

Considerações adicionais: em 1650, o comandante do Forte Albuquerque se chamava Ruy Garcia. Ora, este nada mais é do que o mesmo nome do castelhano que, oficialmente, comandou o ataque a São Vicente, supostamente acompanhado do Bacharel. Ruy Garcia era uma figura misteriosa e mostrava um conhecimento anormal da região, da Terra de Santa Cruz e seus mistérios.

Recentemente, detalhes sobre a vida de João Ramalho, pivô da ocupação dos Campos de Piratininga e da aliança construída entre Lusitanos e Tupiniquins, chegaram ao conhecimento da Companhia de Jesus. A fonte de tais relatos não foi identificada, mas a precisão e a riqueza de pormenores indica sua veracidade. João Ramalho chegara a São Vicente junto com Cosme Fernandes.

Há indícios de que o conhecido comerciante de escravos Damião Hernandes seja o Bacharel. Mas ele desfila com a segurança de que qualquer menção a esse fato seria tratado como loucura.

Sumé

Os nativos relatam a presença de um homem branco no continente muito antes da chegada dos Castelhanos. Conhecido por Sumé entre os Tupis, esse homem, em diferentes idades, caminhou por todo o Novo Mundo ensinando técnicas e artes, e ditando regras morais para os habitantes.

Conforme a lenda, Sumé foi amado, aceito, odiado e atraiçoado. Muitas vezes foi perseguido por pajés que não aceitavam sua intromissão nos assuntos espirituais da tribo. Sumé haveria caminhado sobre as águas do mar, dando as costas a uma chuva de flechas que vinham em sua direção, mas que subitamente retornaram na direção dos flecheiros. Quatro pegadas suas, com a marca dos dedos bem definidas, estão registradas nas pedras da barra do rio.

Expulso da região, Sumé reapareceu no altiplano, sendo conhecido por lá com o nome de Tonapa. Com barba, magro, andando com um bastão, expulsou os demônios da região e pregou o amor ao próximo numa época entre a queda de Tiahuanaco e o surgimento dos irmãos Ayar. Da mesma forma, encontrou a resistência dos sacerdotes locais, que o amarraram em três grandes pedras a fim de lança-lo no lago. Mas três águias baixaram do céu e o libertaram. Tonapa, então, dirigiu-se a Copacabana, navegando sobre seu manto. As plantas aquáticas, as totoras, abriam a sua passagem.  Onde pousava os pés, deixava pegadas impressas na rocha. Onde repousava, esculpia a forma de um corpo. Na Ilha do Sol fez brotar uma fonte de água santificada. Foi, então, novamente aprisionado por sacerdotes e expulso pelos mesmos motivos de sempre. Partiu andando sobre as águas do Titicaca.

Considerações adicionais: mais do que um sábio, Sumé possui um vasto poder mágico, dominando uma variedade de encantos. Tais características fizeram os primeiros Jesuítas a aqui chegarem supor tratar-se do apóstolo São Tomé. Ao ouvir tal hipótese, o caraí dos Tavyterã apenas sorriu e soltou uma frase enigmática: “Sumé já caminhava por estas terras quando os Guajáras aqui estavam. Pelo menos foi o que ele me disse, e não tenho motivos para duvidar.” Então, culpando o cauim, nada mais disse.

Vaqueiro Misterioso

Em diversas partes do continente onde há uma grande criação de gado, o viajante certamente ouvirá uma mesma história: um belo dia, montado em um cavalo velho e cansado, chegou à região um vaqueiro mal vestido, humilde, oferecendo seus préstimos em troca de abrigo e um pouco de comida. Sobre ele, ninguém sabe quem é ou de onde vem, e nem interessou perguntar, pois é mais alvo de zombaria do que de curiosidade.

Mas, assim que começa a trabalhar, cerca e encaminha para o curral, sozinho, quase todo o gado. Galopa léguas em minutos, tão rápido é seu cavalo. Mostra-se capaz de imobilizar um touro tão facilmente quanto se prende um novilho antes da ordenha.

Logo se mostra sabedor de segredos infalíveis, além de ser o mais destro e mais hábil cavaleiro de toda a região. É aclamado como herói, desejado pelas mulheres, mas recusa todas as seduções, recebe o pagamento e desaparece, para surgir longe dali em outra fazenda.

Considerações adicionais: o vaqueiro misterioso é conhecido por muitos nomes. Nos currais próximos à capital da província, é conhecido como Vaqueiro Borges.

*Compilação extraída do bestiário de Padre Maurício.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 12:12  Deixe um comentário  

Colônia do Sacramento

O governador de São Sebastião recebeu a visita secreta de um representante da Coroa, determinando a ele a missão de erguer uma fortificação no rio da Prata, na margem oposta a Santa Maria de los Buenos Ayres. Com o apoio de comerciantes da cidade, desejosos de ampliar seus negócios com as colônias castelhanas, o governador montou uma grande expedição ao sul e levou a cabo a missão. A resposta de Castela foi imediata, e logo forças vindas do outro lado do rio, de Santa Maria da Assunção e das missões jesuíticas tomaram a cidade. Seus ocupantes foram levados prisioneiros para Santa Maria de los Buenos Ayres. O Reino de Francia se uniu à Lusitânia nos protestos contra a ação castelhana. Os Castelhanos decidiram recuar e devolver Sacramento aos lusitanos, a fim de evitar um confronto internacional.

A cidade é voltada para o rio, espremida em um cabo fluvial. Uma grossa muralha a separa do interior e da praia que se estende ao norte. Separando as duas entradas, bem no centro da muralha, há uma fortaleza quadrangular que avança para dentro da cidade. No interior da fortaleza situa-se a igreja paroquial, a casa do governador, o hospital real, a residência dos franciscanos, a casa da artilharia, os quartéis e o corpo da guarda principal. O porto fica no norte da cidade, sendo o sul completamente rochoso e a ponta ocidental com muitas pedras, vegetação e uma curtíssima faixa de areia que dá para um paredão de pedra erguido pelos lusitanos.

A cidade encontra-se plena de edificações, com cerca de 90 casas, quase todas ocupadas por militares casados. Fora da muralha, há cerca de 200 casas. Não há propriedade, mas lotes concedidos pelo governador. Os militares ficam com os lotes próximos à cidade, considerados os melhores.

Com a retomada da cidade, já sem o seu fundador, que faleceu de doença na província hispânica, o rio da Prata passou a fazer parte das rotas comerciais que se ligam a São Sebastião. Foram estabelecidas defesas militares e relações comerciais que dão acesso á prata de Potosí e ao couro bovino produzido na região. Entretanto, a falta de uma administração civil levou ao aumento excessivo do poder dos militares. O governo da Colônia do Sacramento é dominado pelo militar de maior patente.

Seis anos após a retomada, teve início a política de povoamento, sendo enviados pela Província de Santa Cruz casais brancos e nativos, mulheres solteiras e oficiais militares. Em 10 anos a população cresceu de 600 a 1000 habitantes. Os novos colonos passaram a explorar intensamente as riquezas pecuárias da banda oriental do rio da Prata.

Os militares correspondem a 30% da população. Somando mulheres e meninas livres, a população feminina não chega a 25%, havendo um pouco mais do que isso de escravos. O resto é composto por homens civis, meninos e nativos.

A força militar consiste em quatro companhias de ordenanças, forças militares a serem convocadas em caso de combate. Em tempos mais tranquilos, cuidam da ordem interna da cidade. As companhias são divididas em duas de solteiros e duas de casados, cada qual comandada por um capitão. As dos solteiros estão divididas entre a cavalaria e companhia dos mercadores. A dos casados não apresentam diferenças entre si.

Alguns civis melhor situados social e economicamente reclamam a composição de uma Câmara Municipal. Também não há juiz, exceto o alfandegário. A centralização é total nas mãos do governador, que pressiona os comerciantes a levantarem fundos para sustentar a tropa. Alguns militares também se dedicam ao comércio.

O contrabando é uma forma de ascensão social e econômica. O contrabando realizado pelos oficiais da alfândega consiste em declarar a entrada de uma quantidade menor do que realmente entra, ou passar mercadorias em remessas de correspondência. Em paralelo, os moradores realizam transações em pequena escala. Os lusitanos trazem escravos negros e tentam vender aos castelhanos. Da colônia lusitana também chegam açúcar, tabaco, aguardente e arroz. Do Velho Mundo, tecidos de algodão ou linho, confecções, objetos de metal. Os produtos produzidos na região são couro, trigo, farinha, queijo e galinha.

O domínio das ilhas de São Gabriel (ilha maior próxima à cidade), Martin García e Las Hermanas (ambas subindo o rio) facilita o acesso dos contrabandistas lusitanos aos canais e enseadas castelhanas. A navegação no Rio da Prata é complicada, pois são águas pouco profundas, com muitos bancos de areia. Os Lusitanos se tornaram especialistas nesse tipo de navegação, e sua superioridade é reconhecida até mesmo pelos Castelhanos. Para os barcos de nações estrangeiras cruzam o oceano, navegar no Prata uma tarefa quase impossível, a não ser que possuam um navegador lusitano a bordo.

Os negros escravos são usados em Colônia como artesãos, capatazes, cocheiros e em vários serviços domésticos. Requisitados aos aldeamentos da Coroa, os nativos são presença constante nas obras públicas de Colônia, principalmente na construção das fortificações. Há três anos, o governador pediu o envio de sessenta nativos de São Sebastião para trabalharem na restauração das muralhas, pois considerava impossível dar início à obra só com o trabalho dos soldados que, além do serviço militar, tinham de garantir o próprio sustento. Também pesavam razões econômicas, pois os soldados não fariam o serviço por menos de um tostão diário, enquanto que aos nativos se costuma dar a metade desse valor.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:47  Deixe um comentário  

CAPITANIA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DE PARANAGUÁ

A criação da Capitania da Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá em 1660, com uma única e pequena vila que antes pertencia à Capitania de Itanhaém, foi uma provocação da Coroa lusitana a seus vizinhos ibéricos. A criação de uma capitania nessas circunstâncias só poderia significar expansão. E para onde? Cananéia, a alguns quilômetros litoral acima, ainda fazia parte de Itanhaém. Só restavam então as terras castelhanas. De fato, trinta anos depois, a fundação de mais quatro vilas, uma no interior e três descendo a costa, não podia ser coincidência. Até vir o golpe final: a fundação de Colônia do Sacramento.

A costa da nova capitania é ainda mais estreita e acidentada que a de Itanhaém e São Vicente. Só na baía de Guaraqueçaba, onde foi erguida a primeira vila, a planície ganha maior extensão, ultrapassando os 90 Km. Descendo a costa, só é possível adentrar o continente a partir dos vales dos rios a partir da baía da Babitonga, e volta a se alargar um pouco na lagoa de Upava.

A Serra de Parapiacaba prossegue desafiadora até depois de Upava, separando o litoral, povoado pelos Cariós, das terras dos Guayanás, que habitam o planalto. Próximo à vila de Nossa Senhora do Rosário, a serra chega a apresentar picos de mais de 1800 metros. A mata que a cobre é basicamente a mesma, só mudando de aspecto após a travessia, quando surgem os pinheiros, que fez o interior ser conhecido como La Piñería.

Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá

Em 1550, os lusitanos de São Vicente foram atraídos para o local devido a notícias de que haveria ouro na Ilha de Cotinga, localizada na baía de Guaraqueçaba. Até então, não havia discussão que as posses lusitanas se estendiam até Cananéia. Já a Ilha de Cotinga parecia ser território castelhano, mas a Coroa hispânica não questionou a ocupação, deixando implícito que este seria o limite entre as duas colônias. Hispânia não ignorou a toa: o ouro de Cotingo era de aluvião, ralo, sem muito atrativo. Em 1570, vieram os primeiros povoadores da vila, que só foi consolidada em 1644, após as descoberta de ouro nos rios da Serra Negra, que desaguam na baía.

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais

Novos boatos de metais preciosos além da muralha natural que se ergue para além de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá levou a uma pequena corrida para a região em 1654. Os bandeirantes levaram consigo Cariós em condição de escravos. Apesar da proibição, a obediência às determinações da Coroa era pouco observada na região, uma vez que a própria legalidade do povoamento era duvidosa. Em 1693, o povoado virou vila, mas não passa de um amontoado desordenado de casas. A mineração é pouco proveitosa e os mineradores aos poucos vão migrando para os Campos dos Cataguás.

A ligação entre Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da Luz dos Pinhais é feita pelo Caminho de Itupava, um antigo peabiru. Seguindo o rio Nhundiaquara e transpondo a íngreme muralha verde, chega-se ao planalto.

São Francisco do Sul

Em 1503, um navio franco aportou na baía da Babitonga, em uma grande ilha que toma conta de toda a entrada da baía. Os Francos fizeram amizade com os Cariós e, ao partirem, o capitão levou o filho do cacique, com a missão de conhecer mais sobre esse estranho povo branco. O capitão prometeu retornar, mas não obteve financiamento para uma nova viagem. Decidiu então adotar o jovem nativo e criá-lo como um filho, dando a ele uma boa educação. Em 1515, os Castelhanos chegaram à baía de Babitonga, chamando a grande ilha da região de San Francisco. Em 1553, devido a uma tempestade, um navio castelhano busca refúgio no local e lá fica por dois anos. Fazendo amizade com os Cariós, erguem uma capela e algumas choças, constituindo o povoado de San Francisco de Mbiaza. Dois anos depois, a pequena vila é atacada por piratas bretões. A maioria decide fugir rumo a Santa Maria da Assunção. Outros permanecem e se mesclam aos nativos, dando origem a uma tribo mestiça.

Em 1641, um grupo vindo de Nossa senhora do Rosário de Paranaguá fundou o novo povoado. Mas só em 1658 o arraial se consolida, quando chega um lusitano com o firme propósito de colonizar a ilha, plantar, criar gado e fundar uma vila. Sua determinação e firmeza de caráter garantiram que São Francisco do Sul se tornasse uma vila próspera. Mas, atualmente, seus habitantes se veem aterrorizados pela crueldade e violência do capitão-mor, chamado pelo povo de Cabecinha, no cargo desde 1686. Apesar de ser um administrador de visão, não pensa duas vezes antes de usar a violência para impor sua vontade. Arbitrariedades, trabalhos forçados, assassinatos se tornaram comuns na ilha. Sua última obra, capaz de atrair a atenção dos Ouvidores, foi colocar um padre em uma canoa na maré vazante com apenas uma porção de peixe seco. E pelo crime de não ter aceitado enterrar o filho do capitão debaixo do altar mor da igreja matriz. O povo da vila afirma que o fantasma do padre assombra a ilha.

Nossa Senhora do Desterro

Em 1673 começou o povoamento da Ilha de Santa Catarina pelos lusitanos. A ilha é habitada pelos Cariós e já servia como ponto de parada e abastecimento para as naus que seguem rumo ao rio da Prata. Por tais razões, é mais frequentada por Castelhanos do que por Lusitanos. A ilha é separada do litoral pelo estreito de Y-Jurerê-mirim, que forma duas baías, ao norte e ao sul do estreito, que protegem as embarcações das fortes tormentas daquelas águas.

Santo Antônio dos Anjos de Laguna

Entre 1538 e 1548, os Franciscanos tentaram catequizar os Cariós. Seus esforços foram aniquilados por um ataque de bandeirantes vindos São Vicente a procura de escravos nativos. Outro bandeirante, com propósitos mais nobres, fundou um povoado no local em 1676, na entrada da lagoa de Upava. Por enquanto, não passa de um grupamento de casas de pau-a-pique cobertas de palha, sem sequer um padre para realizar casamentos e batizados. Sua posição é estratégica, tendo como finalidade alargar os limites da fronteira com as terras hispânicas.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:46  Deixe um comentário  

CAPITANIA DO ESPIRITO SANTO

A Capitania do Espírito Santo se encontra entre a Capitania da Bahia de Todos os Santos e a Capitania Real de Cabo Frio. Sua capital é a primeira vila fundada na região, a Vila do Espírito Santo.

Ao sul da capital, o litoral, onde vivem os Temininós, apresenta falésias e muitas praias entrecortadas por pontas rochosas, com presença de alguns lagos. Na medida em que se avança para o interior, o relevo bastante ondulado e irregular segue até as altas serras habitadas pelos Goitacás. Estas serras não formam a mesma muralha densa de Paranapiacaba. Os rios da região sulcam os vales abrindo caminho pelas altas montanhas, sendo o principal deles o rio Itapemirim.

Ao norte da Vila do Espírito Santo, as terras litorâneas são mais vastas, e o caminho para o interior é menos íngreme e acidentado. Subindo o rio Watu, é possível alcançar a região das minas, mas é preciso passar pelas terras dos Aimorés, expulsos do litoral após sangrentas batalhas, há mais de um século, com a ajuda dos Tupiniquins vindos do norte, que buscavam ocupar a região. As altas árvores da região fazem lembrar aquelas da Grande Floresta. As praias são bastante extensas, prosseguindo em uma constante faixa de areia por muitas léguas, sendo interrompida apenas pela foz dos rios.

Os antigos donatários, os fidalgos da Família Coutinho, decidiram vender a capitania em 1674. Dom António Luís Coutinho, quando herdou as terras, era Almotacé-Mor do Reino, título de grande prestígio, e achou por bem passar adiante suas terras para alguém que de fato se dedicaria a revigorá-la, um herói de guerra lusitano chamado Francisco Gil de Araújo, que a arrendou por 40 mil cruzados. Posteriormente, Coutinho, com todo o seu prestígio junto ao Rei, viria a ser o antecessor do Governador Lencastre como Governador-Geral da Província de Santa Cruz. Atualmente é o Vice-Rei das Índias. O novo dono reergueu a capitania e restaurou os combalidos fortes para proteger a entrada da baía onde fica a Vila do Espírito Santo, antigamente alvo fácil dos piratas. Após sua morte, em 1687, seu filho não se interessou em vir para Santa Cruz. Em seu lugar, enviou para governá-la o Capitão-Mor João Velasco Molina, que busca povoar os sertões da capitania.

Os colonos da capitania sempre tiveram dificuldades de se estabelecer devido à resistência de Goitacás e Aimorés, o que a tornou, por muitas décadas, a capitania mais isolada de todas. Com o burburinho causado pelas notícias vindas dos Campos dos Cataguás, os colonos logo se apressaram em encontrar um caminho para lá. Afinal, o Capitão-Donatário Francisco Gil havia tentado exaustivamente, mas sem sucesso, encontrar pedras ou metais preciosos nas serras da capitania.

Mas uma ordem do Governo-Geral Lencastre serviu como um balde de água mais fria do que aquela encontrada nas cachoeiras da Serra do Caparaó: por razões de segurança, nenhuma estrada poderá ser construída entre os Campos dos Cataguás e a capitania.

Vila do Espírito Santo

Em 1535, a Vila do Espírito Santo foi fundada às margens de uma estreita baía por seu donatário, que chegou à praia de Piratininga com 60 homens. A região era disputada por três grupos nativos quando os Lusitanos chegaram: Aimorés, Goitacás e Tupis. Como se não bastasse esse infortúnio, a região também era disputada por Neerlandeses e Francos. Assim, em 1551, o governo da capitania decidiu transferir a vila para um local mais protegido, na grande Ilha de Guanaani, então batizada de Ilha de Santo Antônio, na outra margem da baía. E assim surgiu Vila Nova do Espírito Santo, sendo a anterior conhecida como Vila Velha.

Em 1558, o frei franciscano Pedro Palácios, de origem hispânica, desembarcou na praia de Piratininga com a missão de erguer uma ermida no alto do morro. A ermida levou bem mais de um século para se tornar o imponente Convento da Penha, reinando absoluto na paisagem da baía, equilibrando-se sobre as pedras.

Nesse meio tempo, em 1592, a vila sofreu o ataque de corsários britânicos. Em 1625 e 1640, vieram os Neerlandeses. O novo donatário da capitania mandou recuperar os dois fortes que defendem a baía, postos em ruínas pelos ataques anteriores: Forte São João, na ilha; e o Forte de São Francisco Xavier de Piratininga, na Vila Velha.

Fazenda Itapemirim

Em 1539, um colono decidiu se estabelecer na foz do rio Itapemirim, onde Temiminós habitavam a estreita faixa litorânea. No entanto, o interior era tomado pelos Goitacás, de forma que ao fazendeiro só coube agradecer pelo relevo acidentado que o mantinha a salvo do interesse dos nativos. Entretanto, com as primeiras notícias de ouro no interior, algumas expedições resolveram explorar as formosas serras e seus vales abruptos, e chegaram à conclusão de que o melhor caminho a seguir seria o rio Itapemirim. Assim, a vida pacata da Fazenda Itapemirim, erguida sobre um pequeno promontório de costas para o mar e voltada para o rio, começou a mudar.

Vila de São Matheus

Em 1544, náufragos chegaram à ilha de Guriri, subiram o rio Kiri-Kerê e formaram um povoado sem nome. Mas a vida ali não era nada fácil, pois a região era dominada pelos Aimorés. Em 1558, ocorre a terrível Batalha do Kiri-Kerê. Com a derrota para os Aimorés, as forças lusitanas tiveram de recuar para a Vila do Espírito Santo. Posteriormente, o Governador-Geral enviou uma nova frota que promoveu uma matança e empurrou os Aimorés rio acima. Muitos combatentes acabaram permanecendo no povoado do Kiri-Kerê. Em 1566, Padre Anchieta reza uma missa no local e batiza o povoado de Vila de São Matheus.

Vila de Nossa Senhora da Conceição

A Vila de Nossa Senhora da Conceição foi fundada em 1554, num porto natural na barra do rio Kiri-Kerê, no início da campanha lusitana contra os Aimorés. Não sabiam os Lusitanos que naquela margem do rio vivia uma pequena aldeia pacífica, que há alguns anos havia abrigado e incorporado náufragos Castelhanos. Essa aldeia decidiu ajudá-los na campanha contra os Aimorés, que eram também seus inimigos. Seu posicionamento estratégico tornou a vila parada preferencial dos navios vindos do norte. E logo ela se tornou a maior vila no norte da capitania.

Aldeia dos Reis Magos

A Aldeia dos Reis Magos foi a primeira redução jesuítica erguida na Capitania do Espírito Santo, em 1557, junto ao rio Apiaputanga, por ordens do Governador-Geral. O lugar se revelou problemático por ser área de confronto entre Tupiniquins e Aimorés. Contra todas as expectativas, a aldeia se mantém de pé até hoje.

Reritiba

A redução jesuítica de Reritiba foi fundada em 1561 pelo mais importante missionário da Companhia de Jesus em terras lusitanas. Responsável pela Paz de Iperoig e a fundação de Piratininga, de origem hispânica, ex-Provincial da colônia, Padre Anchieta passou seus últimos dez anos entre os Temiminós, na aldeia que se encontra no alto de uma colina na foz do rio Reritiba, que forma um porto natural e é abundante em ostras.

Após a morte do jesuíta, os nativos passaram a considerar todos os pertences pessoais do padre como sagrados, principalmente seus ossos, alegando serem artefatos de grande poder. Os Jesuítas precisaram usar todo a sua habilidade diplomática para levar o corpo de Anchieta até Vila Nova do Espírito Santo, a fim de enterrá-lo no Colégio de São Tiago, o qual ele mesmo ajudara a construir.

Curiosos com a adoração dos missioneiros, os Jesuítas tentaram estudar os objetos a fim de verificar se havia alguma verdade na lenda, mas foram expulsos pelos nativos cristãos. O Provincial da colônia decretou que todos os Jesuítas deveriam respeitar a vontade dos seguidores de Anchieta, alegando que valia mais a pena conservar o ardor religioso dos Temiminós do que arriscar perdê-los em nome de investigações teológicas.

Porém, doze anos depois, por ordem do Superior Geral da Companhia, os ossos de Anchieta foram enviados à catedral da capital da província e, secretamente, seu fêmur foi encaminhado a Roma.

Vila de Santa Maria de Guaraparim

Fundada em 1585, também por Padre Anchieta, a Aldeia de Santa Maria de Guaraparim se dedicava à catequese dos Temiminós. Em 1677 foi construída a Igreja de Nossa senhora da Conceição, abrindo caminho para, dois anos depois, a aldeia ser elevada à vila. A vila está localizada ao sul da Vila do Espírito Santo, em uma pequena colina junto ao mar, na entrada de um estuário que se assemelha a uma estreita baía, repleta de manguezais. Em seu litoral, a praia revela uma estranha areia enegrecida.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:43  Deixe um comentário  

Vilas do Oeste

Vila da Ilha Grande

Em 1608, o povoado iniciado em 1556 em região outrora repleta de histórias de encontros entre brancos e Tupinambás é reconhecido como vila. Situada em uma verdejante angra a oeste de São Sebastião, seu porto é protegido por dezenas de ilha, entre as quais se destaca a Ilha Grande que dá nome à vila.

Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty

Um pequeno povoado teve início junto às margens do rio Perequê-Açu no final do século XVI. A transformação da vila, em 1670, foi permitida com a condição de que os nativos da região não fossem molestados. O porto de Paraty se revelou mais estratégico do que o da Vila da Ilha Grande devido a um antigo Peabiru que liga a região ao vale do rio Paraíba, atravessando a Muralha Verde. Com o incremento das lavras de ouro no interior, este caminho tem se mostrado o meio mais rápido de se chegar até lá desde a costa. Apesar da travessia íngreme, a trilha tem a vantagem de evitar a perigosa Serra da Bocaina, que se ergue por detrás da Vila da Ilha Grande, onde se esconde o vale dos temidos Acritós. Assim, mercadorias com destino às lavras chegavam primeiro em São Sebastião e depois seguiam a Paraty. Os governos de Itanhaém e São Vicente desejam recuperar o domínio sobre Paraty, que já fora antes um povoado vicentino. Assim, eles terão controle tanto sobre a fundição quanto sobre a saída do ouro.

Aldeia de São Francisco Xavier de Itinga

Por iniciativa dos filhos do primeiro Visconde de Asseca, vários Cariós apresados no sul foram aldeados nos limites da Fazenda Santa Cruz, de propriedade dos Jesuítas. A aldeia acabou sendo encampada pela Companhia. Atualmente conta com cerca de 300 almas.

Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba

Aldeia de Tupiniquins trazidos do Nordeste, administrada por particulares supostamente ligados ao Visconde de Asseca. Diz-se que a aldeia de Itinga foi engue aos Jesuítas em troca da manutenção do caráter privado da aldeia de Mangaratiba.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:41  Deixe um comentário  

Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

O paraíso dos Tupinambás foi primeiramente explorado pelos Francos, que lá tentaram se estabelecer em 1555. Só então os Lusitanos se preocuparem em ocupar o território. Expulsar os Francos não foi tão difícil, mas os Tupinambás, que a eles se aliaram, ofereceram grande resistência, em uma guerra que durou sete anos. A cidade fundada em 1565 era apenas um aldeamento de pau a pique à beira mar. Com o final da guerra, os colonos se transferiram para o alto do Morro do Castelo. O núcleo urbano pouco cresceu nas primeiras décadas, mas a quantidades de fazendas, engenhos, roças compensou com sobras a simplicidade de suas construções. Com o crescimento dos canaviais, a capitania cresceu e a cidade cresceu junto. Seu porto é parada obrigatória aos navios que partem para o sul da Terra de Santa Cruz, o que atraiu também a visita de piratas até o final do século passado. Ladeada por duas baías, cercada e entrecortada por altas montanhas, a cidade, que abriga uma exuberante natureza, é ao mesmo tempo benção e desafio àqueles que nela vivem.

Em São Sebastião os edifícios são pouco elevados em ruas voltadas para o mar e as casas não possuem encantos. Entretanto, as pedreiras da região permitem que haja muitas construções sólidas. As ruas são verdadeiros esgotos a céu aberto, onde animais domésticos fazem suas coisas e os tonéis de dejetos são despejados pelos escravos.

A paisagem é dominada pelos morros do Castelo (ocupado pelos Jesuítas), São Bento (ocupado pelos Beneditinos), Santo Antônio (ocupado pelos Franciscanos) e da Conceição (ocupado pelos Capuchinhos francos). Entre eles, a rua Direita, a rua da Vala e a rua da Misericórdia. Há uma fortaleza com canhões aos pés do Morro do Castelo e um centro comercial aos pés do Morro de São Bento, animado por embarcações vindas do rio da Prata e São Paulo de Loanda.

O núcleo urbano conta com quinze igrejas. Na parte baixa da cidade, sobressaem o Convento do Carmo e a Igreja da Cruz dos Militares. A Ermida da Nossa Senhora da Candelária foi erguida em 1609, na rua Direita, por um casal lusitano, em agradecimento por terem sobrevivido ao quase naufrágio da embarcação Candelária. Mais afastada, no alto de uma pedra que domina a parte norte da baía, encontra-se a Capela de Nossa Senhora da Penha, erguida em 1635 também em agradecimento por ter o senhor daquelas terras sobrevivido ao ataque de uma serpente. Aos poucos a igreja vai ganhando fama de santuário milagroso.

O perfil da cidade é basicamente rural. Os trapiches são encarregados de armazenar o açúcar que chegam dos engenhos. Ao longo do Caminho do Catete, um antigo Peabiru, olarias abastecem a cidade com tijolos e telhas. A Cadeia Pública e a Casa da Câmara, ainda em construção, desceram o Castelo e se instalaram no Largo do Carmo, em frente ao porto onde são desembarcados os negros escravos. Entre o porto e o morro de São Bento fica a Praia do Peixe, lugar de atracação de canoas e venda de peixes. Alguns pescadores são muito bem sucedidos.

Na Ilha de Paranapuã há um estaleiro para fabricar galeões e fragatas. Em frente à ilha, no continente, pequenas embarcações ficam ancoradas para escoar o açúcar que desce pelo rio Irajá, navegável e repleto de vida. Ao longo desse rio foram erguidos os primeiros engenhos da cidade. Ali, no interior, onde antes ficava a aldeia tupinambá Eraîá, foi erguido um entreposto, o Paço do Irajá, para onde convergem vários caminhos e de onde sai o açúcar levado até a baía.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:39  Deixe um comentário  

Vila de São Paulo de Piratininga

Fundada por Jesuítas em 1554 no centro do planalto, auxiliados por João Ramalho, um dos degredados deixados no litoral em 1502. A vila se desenvolve a partir do Colégio de São Paulo, erguido em um barraco de taipa para ensinar o catecismo e as primeiras letras aos filhos dos colonizadores, e uma igreja. Após o fim da guerra contra a confederação liderada pelos Tupinambás, a vila se desenvolve com base no trabalho nativo. Voluntário, quando se tratava de Tupiniquins, e escravo, quando se tratava de qualquer outra tribo. O relevo da região, com muitas colinas e riachos, favoreceu o surgimento de diversos pequenos centros que foram se aglutinando. Localizadada no entroncamento de vários rios, sua localização é estratégica, dominando uma série de caminhos: o peabiru conhecido como Caminho de São Tomé leva até ao vale do rio Paraitinga e o rio Tietê desce até o rio Paranaíba, ligando à bacia do rio da Prata, além de servir de porta de entrada para o sertão.

Desde o início, a Companhia de Jesus prefere não se envolver nas questões eclesiásticas da vila, constrangida pelas diferenças com os moradores em relação aos nativos. Enquanto os vicentinos temiam as incursões piratas, os piratininganos temiam os nativos. Afinal, os piratas não subiam a serra de Paranapiacaba. Aliás, poucos se aventuravam pela perigosa trilha. Apesar da proibição régia, os moradores do planalto insistiam em escravizar os “selvagens”. Nem a ameaça de excomunhão era capaz de pará-los.

A luta dos Jesuítas para fazer valer o Tratado de Santa Luzia, que proíbe a escravidão de nativos da terra, fez com que eles fossem expulsos da vila pelos piratininganos em 1640. Com a saída deles, a organização dos aldeamentos desandou. O exílio durou dez anos, acabando por prevalecer a vontade da Coroa e da Igreja. Em represália, a Câmara Municipal passou a favorecer o estabelecimento de outras ordens. Franciscanos, Carmelitas e Beneditinos passaram a contar com conventos, mosteiros e terras generosas.

No alto de uma pequena elevação sobressaem as torres de oito igrejas, dois conventos e três mosteiros. As casas são em taipa branqueada com tabatinga (argila clara). As ruas são largas e claras, com calçadas espaçosas e asseadas.  As casas de mais posses têm dois andares com balcões e piso de madeira, corredores laterais sustentados por pilares de madeira, umbrais de portas e janelas decoradas. As casas são altas para prevenir enxurradas. Os nativos têm seu alojamento no fundo da propriedade (os chamados tijupares), próximo à cozinha e separado da casa por roças. São eles que fazem todo o trabalho de carpintaria.

Fala-se mais tupi do que o lusitano na região. Alguns colonos sequer sabiam falar a língua oficial da Metrópole. À medida que os nativos vão sendo substituídos por negros escravos, os tijupares vão se transformando em senzalas.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:37  Deixe um comentário  

Vilas do Interior Oeste

Vila Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba

O morro de Araçoiaba era rota das bandeiras que partiam de Piratininga. Em certo dia de 1589, um bandeirante decidiu se estabelecer ali em busca de ouro, mas só encontrou minério de ferro, o que deu origem a dois engenhos. As terras ao redor trocaram de mãos até os beneditinos chegarem ao povoado e construírem um convento e uma escola. O povoado tornou-se vila em 1661. Os bandeirantes que aí se instalaram sonham em desbravar o noroeste, para as terras além do Forte Albuquerque, que ajudaram a erguer.

Forte Albuquerque

Santiago de Jerez era uma antiga vila castelhana erguida em 1593 próxima a uma área de alagados. Em meio à guerra dos bandeirantes contra as missões Jesuíticas do Guayrá, a vila foi destruída e deixada em ruínas. Poucos anos depois, sobre seus escombros, o governo de Itanhaém achou por bem erguer um forte que servisse como proteção a novos avanços dos Castelhanos e também como entreposto para as bandeiras.

A iniciativa teve sucesso devido a uma inusitada aliança com uma aldeia guarani local. Os nativos serviriam como diplomatas entre os Lusitanos e outras tribos da região, enquanto que os colonos manteriam as aldeias livres de novos ataques bandeirantes. Em 1650, o acordo se mostrou proveitoso. O forte se viu sitiado por forças castelhanas aliadas a outras tribos. Muitos anos depois, os sobreviventes ainda arregalavam os olhos ao contar como nada se enxergava do alto murada, tamanho o nevoeiro que envolvia todo o forte. E do brilho dos relâmpagos vindos do chão, entrevistos em meio à neblina.

Published in: on 11 de janeiro de 2019 at 1:34  Deixe um comentário