A VIDA NAS MISSÕES

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A Vila

Na bacia do Prata, a vila precisa ser construída em lugar elevado, onde o ar é mais puro e menos úmido, além de ficar protegida das inundações e afastada dos pântanos, evitando epidemias. Além disso, deve ficar próxima a águas salubres e perenes, pois os índios banham-se com frequência. A proximidade do rio também facilita a comunicação e o comércio entre as missões e com as cidades coloniais.

A vila missioneira é formada pela igreja, o cemitério, a escola, que também serve como casa dos padres, e as casas dos índios, que se localizam ao redor de uma grande praça, na qual há uma grande cruz e uma estátua do santo patrono da missão. A praça pública divide a missão em duas partes distintas: de um lado, o domínio de Deus e dos padres; do outro, as habitações indígenas.

Todas as ruas são traçadas de forma geométrica e se dirigem à praça. Elas são em linha reta para facilitar a vigilância, com largura de 15 metros. As casas são agrupadas por blocos de 6 ou 7 unidades, o que limita o perigo de incêndio. Os bairros buscam respeitar a divisão por tribos.

As choupanas devem ter suas portas voltadas para o vento sul, mais fresco. Os cômodos têm de 5 a 6 metros de lado, não importa o tamanho da família. No final do século XVII, o Provincial proibiu as casas familiares, devendo cada casal viver em sua própria casa. Um couro de boi funciona como porta. Não há janelas ou chaminés, faz-se o fogo em um canto do chão, que não é revestido. O mobiliário é reduzido e semelhante ao que os índios possuíam nas aldeias: redes, couro de boi no chão, travesseiro, uma pedra ou pedaço de madeira, um banco, alguns baús para roupa, uma ou duas caçarolas de terracota, algumas jarras e uma cabaça. Quando necessário, esteiras dividem o cômodo em quartos de dormir. No mesmo cômodo vivem os animais domésticos: cachorro, galinhas, macacos e papagaios. As paredes são pretas de sujeira e a atmosfera é esfumacenta.

Há uma casa comunal para abrigar os órfãos, as viúvas e as mulheres solteiras, chamada Cotiguazú (Casa Grande). Nela também se encontra a prisão das mulheres. Há cômodos separados para mulheres e moças. As reclusas recebem diariamente uma porção de carne, roupa duas vezes por ano e algumas esmolas do Cura. Devem fiar para a comunidade e cultivar os campos. São dirigidas e vigiadas por uma anciã. Quando saem para a igreja ou aos campos, é sempre em grupo. Ao cair da tarde, a casa é fechada à chave por toda a noite. Há duas trancas: uma que abre por dentro e outra que abre por fora. A primeira fica com a anciã, a outra fica com o Cura. Quem invadir a casa receberá 25 chicotadas no pelourinho.

A igreja tem três naves, toda feita de madeira, exceto o teto de telhas. As paredes são guarnecidas de espessas pranchas de cedro trabalhado. O altar-mor é ornado com um esplêndido retábulo dourado. Há cruzes, candelabros, vasos, ornamentos, tudo de ouro e prata. As vestes sagradas são finamente fabricadas. As paredes estão repletas de quadros sacros. Só há duas igrejas inteiramente de pedra talhada: San Miguel e Trinidad. Há um calabouço ao lado da igreja para aqueles que não seguem as normas da missão.

Não há vidros nas janelas, pois falta material para produzi-los. Em seu lugar são usadas bexigas de boi diáfanas, papel, tecido ou lâminas de pedra talco. Esta pedra é branca, muito leve e frágil, de finas lâminas, que pode ser dividida com uma faca em pequenas placas. Quando mergulhadas em água, assumem a maleabilidade do papel e a cor da prata. É também usada para fazer pequenas imagens e adornar as igrejas. Torna-se muito escassa em meados do século XVIII.

As igrejas de Concepción têm três naves que dão para uma praça pública através de pórticos. As colunas são de mármore ou pedra talhada. Há estátuas por toda a parte, em geral de tamanho natural. Em Santa Rosa, a igreja possui um antealtar de ouro e prata maciços, um tabernáculo de ouro e prata artisticamente trabalhado, um lustre de prata de 40 kg, uma fonte de mármore cuja água corre para uma jarra de prata.

A vila possui água corrente e serviços sanitários, um detalhe que merece bastante atenção dos padres, o que diminui o impacto das doenças nas missões.

O colégio possui salas imensas, ornadas com madeira esculpida e cadeiras de carvalho com couro dourado. Há cerca de 6 quartos, alguns reservados a missionários de passagem.

Em cada redução os padres possuem sua horta atrás do colégio e da igreja, confiada aos meninos do catecismo. Funciona como um jardim de testes. Plantam diversos tipos de frutas, verduras e legumes. Só não conseguem fabricar um bom vinho.

Algumas missões possuem moinhos, serrarias, olarias, instalações de secagem de erva-mate e tratamento de cana-de-açúcar. Os Jesuítas ainda lograram construir três impressoras para satisfazer à demanda de materiais didáticos.

Os Padres

A vida do jesuíta não tem poesia. Eles vivem e trabalham apenas com Deus, sua única fonte de conforto. No trabalho nas missões, os padres não poupam qualquer sacrifício. Vivem em um ambiente onde moscas e mosquitos constituem um quinto elemento. Falta-lhes roupa, vestem trapos mal tingidos, a comida é sem tempero, o vinho é escasso e dormem muitas vezes em redes. Nascidos em geral na nobreza, esses sábios derrubam árvores, arrastam vigas, carregam palha nos ombros, trabalham no campo, cozinham e servem comida, cuidam dos doentes, tecem em teares rudimentares as roupas dos índios e, se necessário, pegam em armas para defender seu rebanho.

À exceção dos membros do clero, os padres não recebem ninguém em sua habitação, com exceção dos meninos que o servem como criados, no limite de cinco, e o porteiro, cujo quarto fica na entrada do colégio e é escolhido entre os anciões exemplares. Quando houver necessidade, só os homens são admitidos em seus aposentos. O missionário jamais fala a sós com uma índia. No entanto, elas aproveitam o sacramento para assediá-los. Os padres jamais visitam os índios em suas habitações, exceto em caso de morte.

O milagre desses milhares de índios governados por apenas dois padres estrangeiros, sem qualquer apoio militar presente ou próximo, explica-se pelo respeito de seus paroquianos. Só há submissão porque, no conjunto, a autoridade não é opressiva, nem arbitrária, nem caprichosa, e porque é exercida pelo bem da comunidade. Se os padres traem essa confiança; se calamidades destroem a redução, como geada, gafanhotos, cheias, secas, fome, epidemias, granizo; se sua autoridade se transforma em tirania; é porque seu poder divino diminuiu ou porque não mais o utilizam em favor dos índios, que então são tentados a fugir.

Quando um padre conquista a confiança dos índios, estes arriscam sua vida para protegê-lo. Ao contrário do que ocorre entre os civis, um jesuíta dificilmente faz algo para quebrar esse vínculo. Os colonizadores querem riqueza, e para isso enganam e roubam. Os Jesuítas se preocupam em falar a língua deles fluentemente e são fiéis ao que se propõem. Podem ser duros, mas seguem as próprias regras, que são expostas de forma clara.

A atitude dos índios em relação aos padres é muitas vezes de devoção fanática, mais do que a devoção dos brancos. São alimentados pela esperança de recompensas, ainda que não esteja muito claro para eles quais são os benefícios. Em algum ponto no futuro bruxuleia a imagem de uma terra sem males, também chamada de Paraíso.

Para certo desapontamento dos missionários, eles são a fonte de atração e adoração, enquanto Deus sofre com uma certa indiferença. O Rei está distante demais, às vezes duvida-se de sua existência. O Papa, um desconhecido do qual nem se lembram. Deus, abstrato demais para o imediatismo de suas vidas.

Se praticamente todos os Curas, nas primeiras décadas das missões, possuíam Poder Divino, sendo que muitos morreram em conflitos com os índios ou contra os bandeirantes, após a estabilização das missões, com o crescimento da atividade econômica e longos períodos de paz, chegaram à região padres mais voltados à administração das coisas da Igreja.

Os padres que substituem os apóstolos, que chegam apenas para dar continuidade à obra e não para construi-la a partir do nada, têm um olhar mais crítico em relação aos índios, tratando-os como crianças. O respeito dos paroquianos pelos missionários diminui à medida que aumenta o desprezo dos Curas pela capacidade de seus súditos.

Na verdade, nem todo jesuíta está à altura da missão. Às vezes, a intransigência doutrinal afasta os pagãos; às vezes, o padre perde a razão com o isolamento e os rigores da vida missionária e abandona a Companhia, sendo tomado por terríveis angústias.

O Cotidiano

Toda vida cotidiana é organizada como no colégio. O sino dirige todas as ocupações, e em cada redução há pelo menos um relógio, nem que seja solar. Todos devem correr até a igreja ao ouvir os sinos da missa. Em situações excepcionais, os sinos são usados para convocar reuniões gerais.

Assistir à missa durante a semana não é obrigatório para os adultos, mas a maioria tem o hábito de assistir a ela. Não há missa sem cantores e música. As mulheres entram pelo pórtico, os homens pelas portas laterais. Na nave central fica o pessoal do Cabildo, os oficiais de guerra e os caciques, que têm direito a cadeiras, enquanto o povo se ajoelha e se senta no chão. Os meninos, separados das meninas, vêm depois. As mulheres, da mesma forma, sentam-se separadas dos homens.

Terminada a missa, um punhado de erva-mate é distribuído a todos os chefes de família. Os cabildantes vão informar aos padres tudo o que aconteceu no dia anterior. As crianças ficam em frente à igreja aos cuidados dos anciões desocupados. Algumas vão à escola, são filhos de cacique e de funcionários, cantores, sacristãos e crianças dotadas.

O sino do rosário anuncia o fim da jornada de trabalho, que é de 9 horas no verão e de 7 horas no inverno.

Depois do toque de recolher, não é permitido a nenhum índio sair de casa, e, por toda a noite, zeladores percorrerem as ruas para que não haja qualquer infração. Os vadios são castigados exemplarmente. A noite é dividida em três vigílias.

O poder dos padres sobre as crianças é quase absoluto. As Congregações Marianas funcionam como uma “juventude jesuítica”, que denuncia todos os pecados dos adultos. Os congregados marianos recebem um tratamento diferenciado, como o direito a um enterro majestoso. Muitos índios almejam ser um congregado, chegando a 10% dos fiéis. A eles são reservados a maioria dos cargos administrativos.

Aqueles que prestaram grandes serviços à missão são enterrados na igreja, assim como os padres. Os padres são postos dentro de um caixão, os índios são envolvidos em uma mortalha de algodão.

Os paroquianos devem se confessar de 3 a 4 vezes por ano. Toda semana designam-se as casas cujos habitantes deverão se confessar.

São celebradas as festas religiosas com muita pompa. As principais são Semana Santa, Corpus Christi, Natal e o Dia do Padroeiro. A exuberância das festas suscita muitas queixas aos Padres Provinciais.

Os índios missioneiros de fato se comprometem com aquela nova realidade e admiram seus novos líderes, que substituem os pajés na liderança espiritual. Afinal, se aquelas pessoas estão tomando conta de suas terras e derrotando seus guerreiros, é porque o Deus deles tem bastante poder.

O desarraigamento geográfico e cultural ajuda na dependência dos índios. Eles perdem a aldeia, as funções sociais, o ritmo de vida, as relações intertribais, as relações dentro das tribos, as regras de parentesco e casamento. Tudo é formatado pela nova religião. Ao perder o contexto e as formas ancestrais, o índio adota a alma cristã.

Os padres não podem ser muito liberais na distribuição de bens e comida. É preciso explicar desde o início o compromisso dos índios com a atividade missioneira e o que receberão de alimento e roupas. Incialmente, é aconselhável evitar a fartura, pois os índios não têm a cultura da previdência. O importante é reter os índios nas missões por longo prazo, até que eles assimilem a nova vida e os ensinamentos religiosos. O jesuíta dever de ter a arte de apelar não somente para o apetite, mas também para o orgulho e a simpatia.

Muitos índios morrem de disenteria devido ao excesso de carne. As epidemias de varíola, uma praga habitual, podem levar metade da população de uma redução. No início do século XVIII, ela se introduz no Rio da Prata por navios negreiros.

Entre as mudanças nos costumes dos índios missioneiros, além de aspectos morais, estão as tarefas culturalmente atribuídas às mulheres, como trabalhos manuais e horticultura. A antropofagia desapareceu. As reduções diminuem as brigas entre as tribos. A milícia ajuda a impor a ordem na região.

Ainda que não tenham profunda compreensão da religião, as práticas religiosas são enraizadas e aceitas com facilidade. Mesmo os fugitivos as mantêm. As fugas das missões mal ultrapassam 1%.

A Administração

Cada redução tem o seu Cabildo. Este é liderado por um corregedor eleito pelos índios, geralmente um dos caciques, e confirmado pelo governador da província. Os alcaides, também chefes indígenas, são encarregados de manter a ordem cotidiana, e possuem um corpo burocrático para esse fim.

Entre os índios são escolhidos o corregedor, dois alcaides-mores, um tenente-corregedor, um alferes real, quatro regedores, um aguazil-mor, um alcaide da Irmandade, um procurador e um escrivão. Os integrantes do Cabildo são renovados a cada ano, enquanto o corregedor é vitalício.

Porém, são os padres quem detêm o verdadeiro poder sobre as reduções, administrando os bens dos índios e intervindo diretamente em todos os aspectos da vida missioneira, das coisas do espírito às atividades econômicas e militares. No geral, são ótimos administradores e bons chefes, sendo admirados por isso.

Os grandes caciques vão sendo substituídos por líderes que recebem apenas um pouco de prestígio e uma pequena parcela do poder de outrora. Os caciques se tornam hereditários, independentemente das qualidades pessoais. Essa nobreza indígena é reconhecida pela legislação colonial, recebendo os caciques o título de Dom. Há cerca de 30 a 40 caciques em cada redução.

O Colégio e as Oficinas

Os Jesuítas cumprem com rigor uma Real Cédula que ordena que em todo lugar haja escolas e que nelas os índios aprendam a ler e escrever, o que eles aprendem facilmente. Os meninos frequentam a escola dos 6 aos 12 anos, aprendendo a ler e escrever, e também matemática elementar. As meninas aprendem a ler, escrever, fiar e cozinhar. Os jovens que tenham superado a idade escolar podem trabalhar em qualquer atividade. Há uma divisão por classes, sendo colocados em plano superior aqueles que se destacam em suas funções. Os que melhor aprendem seus ofícios se tornam professores.

Crianças e adultos aprendem o castelhano, e os filhos dos caciques também aprendem o latim. Os filhos dos caciques fazem parte de uma pequena elite a qual tudo é ensinado. O desejo da criança de permanecer com o jesuíta logo se torna a vontade do pai.

A música e o canto ocupam lugar de destaque no processo de aprendizagem. Da mesma forma, os índios se dedicam à dança e a apresentações teatrais. Os dançarinos são sempre homens. Há entre 30 e 40 cantores e músicos em cada redução. Os Guaranis têm uma vocação especial para a música, e tocam com muita facilidade, revelando-se excelentes instrumentistas. Em algumas reduções chegam a fabricar instrumentos musicais, exceto aqueles feitos de metal, que precisam ser importados. Certa vez, por ignorância, o índio encarregado de trazê-los desmontou os instrumentos para facilitar a viagem. Outra atividade é a artística, com ateliês produzindo pinturas e esculturas feitas pelos índios, sob a supervisão dos padres.

As reduções contam com três imprensas, nas quais imprimem o material didático na língua indígena. Nessas impressoras são editados livros em castelhano ou guarani, com tiragens bem reduzidas. A maioria é manual para a catequese. O papel, entretanto, é preciso importar da Metrópole. Já a tinta é extraída de matéria-prima local.

As ferramentas, utensílios e maquinários fabricados nas missões são um pouco grosseiros devido à má qualidade da matéria prima. Isso inclui a imprensa. Por isso, os índios são treinados para fazer o trabalho de copistas. Embora não sejam bons em compor ou criar coisas novas, seu gênio imitativo os transforma em excelentes técnicos. Os copistas guaranis fazem um manuscrito perfeito, sendo difícil diferenciá-lo do original. Os Guaranis possuem ainda uma memória extraordinária, sendo capazes de transmitir sem qualquer erro todo um texto em língua estrangeira.

Os Jesuítas se tornaram os principais cartógrafos do continente no século XVIII. Seus mapas são as principais referências para a assinatura de tratados. Muitos deles são confeccionados com a ajuda dos índios, que conhecem bem a região.

Vestimentas

Os padres usam sapatos formados de uma simples sola de couro fechada por um botão, botinas de couro de carneiro como meia, batina sem forro ou bolso. Só os trajes das cerimônias são feitos com tecido de melhor qualidade. Para o mau tempo, vestem um manto marrom. Usam um rosário em volta do pescoço, como os índios. O cabelo é cortado bem curto, e em geral não usam barba.

O traje dos homens consiste em uma calça, um colete e um poncho ornado de franjas nas bordas. Camisa é considera um artigo de luxo. As roupas são de algodão, exceto o poncho, que é feito de lã. As roupas da comunidade são brancas. Meias e calçados só são utilizados pelos sacristãos durante os ofícios. Os cabelos são cortados como os dos noviços.

As mulheres só soltam o cabelo quando vão à igreja, em sinal de reverência. Normalmente elas os prendem em uma redinha de algodão. Em casa e no trabalho no campo, usam um vestido sem manga fechado até o pescoço e apertado na cintura. Para o culto, vestem por cima dele uma túnica que é mais larga, com mangas, e não é apertada na cintura. Nenhuma delas pinta o rosto ou os lábios. Colares e anéis são feitos de vidros coloridos. Os brincos são de cobre e podem atingir até três dedos de diâmetro.

A Justiça

Nos julgamentos, o juiz é o Cura, que deve ouvir a opinião do Companheiro. Se o delito for grave, os autos são enviados ao Superior, que dá seu parecer após ouvir seus consultores. Há ainda direito a recurso ao Provincial. Os Jesuítas lançam mão de castigos físicos, o chicote e o pelourinho, particularmente contra a feitiçaria.

Os Jesuítas aboliram a pena de morte. Os castigos mais comuns são o chicote e a prisão. A prisão das mulheres fica no Cotiguazú. A dos homens é ao lado do colégio.

As penas severas e os castigos são aceitos com submissão e gratidão, de tal forma que o castigado chega a agradecer aos padres. As flagelações são entendidas em seu aspecto purificador, como algo que concede força, saúde e coragem.

Os homens são chicoteados nas nádegas cerca de 20 chicotadas por dia. Para as mulheres, 12 vezes no ombro. Os homens são açoitados em praça pública. As mulheres, no Cotiguazú, seja pelo pai, por outra mulher ou por um velho. Com o tempo, a punição física às mulheres é vetada. Nos domingos e feriados não há chicotadas.

Para as práticas de feitiçaria que resultam em morte, a pena é um ano de prisão acorrentado, açoites públicos e posterior expulsão da redução, sendo encaminhado à cidade mais próxima. Para roubos, pena de prisão proporcional ao delito, com açoite no pelourinho. Aqueles que não comparecem à missa dominical também são chicoteados.

O homicídio é punido com prisão perpétua. O condenado fica acorrentado e recebe pouca comida, sendo chicoteado uma vez por mês no pelourinho. Só pode sair da cela para a missa dominical, como os demais presos. Entretanto, depois de 10 anos, encontra-se qualquer motivo para anistiar o condenado. Como é preciso manter a crença na prisão perpétua, o condenado é exilado para outra redução.

Dentro das missões pode haver ainda lutas e rivalidades entre clãs, o que deve ser administrado com sutileza pelo padre, sem deixar entender favorecimento pra um ou outro.

Casamentos

A idade nupcial é de 17 anos para os rapazes e 15 para as moças. Os Guaranis consideram incesto a união com qualquer parente do lado paterno. Após o casamento, se um homem falar com outra mulher, corre o risco de ser chicoteado. Exceto no contexto familiar, a separação de sexos é absoluta em todas as atividades. Em qualquer lugar que forem as mulheres, haverá um guardião.

O apego à poligamia alimenta a resistência dos caciques. Para amenizar o problema, é permitido aos chefes escolher qual das esposas originais gostaria de manter, não precisando ser a primeira com a qual ele se casou, o que seria, de qualquer modo, muito difícil de averiguar.

A Produção

Convencer os índios da necessidade de um trabalho metódico e rotineiro talvez seja a principal dificuldade dos missionários, mais do que a catequese, a substituição do nomadismo pelo sedentarismo ou da beligerância pela paz. Por muitas vezes é necessário apelar para o castigo para que cumpram com suas obrigações comunais ou para prover o sustento da própria família.

Os cultivos das missões são o milho (que permite até três colheitas por ano), mandioca, batata, erva-mate, algodão, tabaco, batata-doce, amendoim, favas, abóbora, melão, melancia. Poucos plantam cana-de-açúcar e árvores frutíferas. Nas aldeias, a agricultura é função das mulheres, mas nas missões passa a ser também trabalho dos homens. Os campos de algodão são imensos, e abastecem as comunidades com roupas para todos. Os tecidos excedentes são exportados.

Das plantas cultivadas, a erva-mate merece atenção especial. É um dos principais artigos de exportação, cuja concorrência incomoda os colonos, mesmo com preço mais elevado devido à qualidade superior, a erva Caaminí. O principal destino é Nova Castela.

A propriedade é mista, particular e comunal. Cada chefe de família possui uma chácara com tamanho necessário para o autossustento. A propriedade coletiva é a terra de Deus, onde se planta trigo, algodão e legumes, geralmente dividida em dois campos.

Por toda a Terra de Santa Cruz, os índios são vistos como preguiçosos, e os missionários devem estimulá-los ao trabalho. Por isso é adotada a caixa de comunidade, com o objetivo de suprir as necessidades comunais e evitar o consumo imediato do que é produzido.

Na prática, os Guaranis semeiam apenas o necessário. Poucos são o que se preocupam a vestir-se e alimentar-se decentemente, não se preocupando em armazenar. Se os padres não cobrarem, as colheitas apodrecem no pé. Os padres devem cuidar para que cada índio cultive o suficiente para todos. As colheitas são propriedade dos índios, mas eles as consomem imediatamente. Os padres precisam intervir para que haja armazenamento.

Os primeiros meses de uma nova missão, contudo, são de fome. A preparação do terreno pode levar até um ano. As árvores levam de 3 a 4 anos para render frutos. O governo ajuda com um salário inicial, materiais e víveres, mas só no aldeamento próximo à cidade.

Os Guaranis incorporaram com muito sucesso a criação de gado, que lhes fornece leite, couro e carne. Os bois são essenciais à conservação das vilas. A gordura serve de manteiga para os jesuítas. Além da carne, a gordura, o sebo e o couro trazem boa renda nas exportações.

As estâncias das reduções não são suficientes. As missões dispõem de reserva natural, os rebanhos soltos nas pradarias, chegando a retirar 300 mil cabeças de gado por ano desse gado disperso. Os problemas começam quando esta reserva é descoberta pelos bandeirantes.

O Comércio

Cada missão forma uma unidade econômica independente. A variedade geográfica gera algum grau de especialização das reduções, o que gera um intenso comércio interno, suprindo as deficiências de cada setor. Sem utilizar moeda, comerciam por escambo. O Provincial precisa estabelecer os preços e as normas de troca, para evitar conflitos e desequilíbrio entre as vilas.

Cada redução se especializa em algum ofício, como carpintaria, metalurgia, panificação, tecelagem, cerâmica, fabricação de instrumentos musicais e chapéus, escultura, pintura e música.

As viagens entre as missões são feitas principalmente pelos rios, mas as vilas são ligadas por boas estradas, com pontes e barcos para travessia dos rios. A cada cinco léguas há uma capela com um ou dois quartos para os viajantes, semelhantes aos tambos incaicos. O alojamento é gratuito e cuidado por índios designados para esta função.

As reduções precisam importar ferro de qualidade, cera europeia para as velas, óleo e produtos manufaturados, como armas, facas e anzóis. Assim, exportar é preciso. Os principais produtos de exportação são a erva-mate, o couro de boi, tecidos de algodão e de lã, tabaco, açúcar, mel, móveis de madeira nobre e alguns produtos de artesanato.

Todo ano sai uma balsa levando os produtos a Santa Maria de los Buenos Aires e Santa Fé, onde o procurador da Companhia de Jesus faz todas as operações comerciais, tanto para a missão quanto para o excedente individual dos índios, quando há. Os índios que levam as mercadorias se hospedam nos colégios enquanto aguardam os negócios serem concretizados. Neste meio tempo, podem realizar pequenos serviços para a Igreja ou mesmo para o governador.

A legislação colonial não permite que viajantes e comerciantes permaneçam mais de três dias nas reduções, para evitar má conduta, má influência e epidemias. Eles são alojados em um albergue especial, afastado das casas dos índios e guardados por um guerreiro da milícia.

Apesar das proibições, brancos e negros são empregados por muitos anos nas missões, seja em trabalhos técnicos, como arquitetos e artesãos, seja de proteção, como guardas de estâncias. Os ladrões de gado acabam sendo obrigados a permanecer contra a sua vontade, jogados nas prisões, às vezes por toda a vida.

O Tributo

Inicialmente, os índios missioneiros estavam liberados do serviço nas encomiendas por 10 anos. Após este período de isenção de tributos, os Jesuítas não conseguiam impedir os colonos de usarem seus serviços. Os índios começaram a acreditar que os padres eram cúmplices dos colonos. Isso afetava principalmente as missões do Chaco, mais próximas das vilas.

Com a pressão dos Jesuítas, a Coroa decide aumentar o prazo de isenção para 20 anos, após o qual o jesuíta pode pagar ao governo da província em troca da permanência do índio na redução, o que é feito através do comércio das missões com as cidades. Os governadores podem exigir ainda trabalhos públicos, como construção de fortes, prédios e pontes.

Depois de um tempo, a Coroa suspende o sistema de encomienda para os neófitos. A economia das missões se organiza e se firma. As missões dos rios Paraná e Uruguay encontram sua localização definitiva, mais propícia para o desenvolvimento da produção. Entretanto, as missões ficam obrigadas a oferecer apoio militar às províncias vizinhas quando requisitado.

Os colonos logo se colocam contra a isenção de tributo, havendo hostilidade com os missionários. Apesar das missões trazerem paz, ensino e medicina, alguns jesuítas são expulsos de áreas próximas às vilas. Aos poucos, vão sendo introduzidos escravos negros nas províncias do sul.

Quando o Bispo visita as reduções, estas assumem todas as despesas de sua viagem. E ainda lhes dão uma esmola de 100 pesos. Evita-se exibir demais as riquezas, pois os bispos demonstram vontade de impor o pagamento de dízimo às reduções. Os Curas, seguindo orientação do Superior, mantêm dois livros de sacristia: um com o valor exato dos ornamentos, para mostrar ao Provincial; outro adulterado, mostrado ao Bispo. A mesma reserva é adotada na visita dos governadores, pois eles querem pedir tudo o que veem.

Published in: on 21 de setembro de 2016 at 16:42  Deixe um comentário